terça-feira, 19 de abril de 2011

"Então, perguntou-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que eu sou?" (Mc, 8,29)

Frente a uma realidade pastoral que em sua grande parte escapa à radicalidade dos princípios do Evangelho, portanto, à vida daquele a quem nós remetemos nossa fé, o Movimento de Formação Cristã, recentemente organizado em Fortaleza, levanta a pretensão, com uma tonalidade não apenas acadêmica, mas precipuamente existencial, de se constituir como espaço para reflexão dos percalços e dos desafios da formação cristã do laicato. Almejamos tão somente reavivar crítica e radicalmente a figura de Jesus.

Queremos, logo de início, e é o que nos mobiliza, chamar a atenção para uma atitude fundamental daquele que foi “inteiramente humano e inteiramente Deus”. Em Jesus, comunhão, contemplação, escuta e agir não se tratavam de atitudes separadas. Fé e vida se imiscuíam. Se observamos os Evangelhos, aquele homem que comunicou com seus atos e palavras o amor incondicional do Pai por nós passava noites em oração. Por outro lado, como ato extensivo de sua comunhão com seu/nosso Abba, partia e atuava de modo ímpar, escandalizando até mesmo seus pares. Suas palavras eram duras. Sua mensagem, libertadora. Ele foi para além da Lei. Comunica-se o reinado de Deus por sua mediação.

Este reinado implica, necessariamente, a inclusão da alteridade. Aqui, evocamos as Conferências Episcopais Latino-Americanas as quais insistiram que a ação evangelizadora não pode se dar senão no chão da realidade dos povos. No chão tingido de miséria, de violência, marginalidade, e uma horrenda desumanidade. Realidade ultrajada por dramáticas desigualdades econômicas. E o mais grave, a causar tremendo espanto: a indiferença de minorias encasteladas em suas vidas vazias de sentido e plenas de consumismo.

“Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça”. Quem pode escutar hoje em dia tamanho apelo? O que significa em suas raízes existenciais a atitude cristã? É imperioso um esforço de compreensão da pessoa de Jesus. A pesquisa histórica auxilia-nos a compreender quais foram seus passos, quais os seus caminhos, sua vida, suas posturas perante as injustiças e desigualdades de sua época. Injustiças e desigualdades soçobram em nossa época de individualismos. O que delimitará nossa identidade de ser cristão? Como reverso destes questionamentos, outros não menos inquietantes. Por que esta oferta de tantas religiosidades, ao sabor do freguês? A quem pertence o “mea culpa”? Que ideologias e que podres poderes se escondem por trás desta tentativa de arrebanhar as ovelhas perdidas? É o zelo do bom pastor ou outra coisa qualquer que não ousamos mencionar, pois lamentável demais, execrável demais? Jesus expulsara os vendedores do Templo. É ser cristão armar sua própria barraca de bugigangas e dizer que elas são melhores? Fica o questionamento para cada consciência. Cada um reflete o que pode... ou o que tem. Pois “a boca fala do que transborda o coração”.

Para nós, sermos cristãos significa seguir os passos de Jesus e transformar o mundo que nos cerca de modo que paz e justiça possam ser repartidos como pão e vinho a todos, especialmente com aqueles que nosso sistema considera como refugo. É por este tipo de formação de identidade cristã que pretendemos oferecer nosso esforço. Humano, por isso muitas vezes com atropelos, e outras, e é o que nos justifica, com acertos. Vimos, pois, a público, partilhar nosso propósito de cooperarmos com o sal da terra. Somos grãos deste sal.


Erica Pompeu
(bacharel em Filosofia, estudante de Teologia e integrante do Movimento de Formação Cristã).