(uma reflexão sobre a nossa missionariedade)
O que significa isto? Significa que devemos voltar sempre à fonte da nossa missão que é o Cristo.
Em diversas passagens dos evangelhos o próprio Jesus determina sua missão:
Em Mateus, capítulos 5 a 7, no “Sermão da Montanha” (“... Vós sois o sal da terra [...]. Vós sois a luz do mundo ...”. Ele deixa a cartilha para a vida de seus seguidores;
Em Lucas 4, 18-20 (“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; ...”), Jesus apresenta a sua própria carteira de identidade; - em Lucas 7, 22-23 (“... os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e aos pobres é anunciado o Evangelho;....”)Ele antecipa o resultado de sua missão,
E em Mateus 25, 31-46 (“... tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e vieste ver-me.”), Jesus nos explica qual deve ser a verdadeira conduta dos que desejam segui-Lo.
É através destas passagens dos evangelhos que podemos entrar no espírito missionário de Jesus.
A missão não deve partir da Igreja e levar de volta a ela, mas sim, deve partir de Jesus e levar de volta a Ele, que, por sua vez, a entrega ao Pai.
É Jesus que nos põe em missão, e a missão dEle não era de fundar alguma Igreja, e sim de anunciar o Reino de Deus.
Como fala Padre José Comblin: “Ele se dedicou exclusivamente ao anúncio e à promoção do Reino de Deus, o que significa dizer que propôs uma mudança radical de toda a humanidade em todos os aspectos, mudança esta, da qual os pobres são os atores, porque somente eles são capazes de atuar com sinceridade e autenticidade para promover um mundo novo. Esta é uma meta política, porque é uma orientação dada a toda a humanidade.”(1)
A fim de ampliar esta reflexão, quero conectar a esta regra da missão, que é o Cristo, outro aspecto tão determinante para a nossa Igreja nas últimas cinco décadas.
O Concílio Vaticano Ecumênico II, que celebrará seus cinqüenta anos em 2012, nos deixou como legado mais importante uma nova concepção de Igreja, como diz Dom Demétrio Valentini: “Após vinte séculos de existência e de experiência vital, a Igreja parou um pouco para refletir sobre si mesma.
Na expressão de Paulo VI, a Igreja neste concílio tomou consciência mais profunda de sua identidade. O passo decisivo foi dado no capítulo II da Constituição Dogmática Lumen Gentium, quando a Igreja se autodefiniu com a figura de Povo de Deus, resgatado por Cristo, convocada para unir toda a humanidade, enraizado na vocação e missão seladas pelo Batismo e pelo sacerdócio comum de todos os fiéis”. (2)
É nesta redefinição que a Igreja descobre seu verdadeiro habitat que é o mundo real dos homens e das mulheres: “..., a Igreja tem diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja, a inteira família humana, com todas as
realidades no meio das quais vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; [...]; mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização.” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.º 2). Em seguida, o Decreto Ad Gentes, sobre a atividade missionária da Igreja, é fortemente marcado por esta visão sobre a Igreja como “Povo de Deus”. Nele também se fala em “Sacerdócio comum de todos os fiéis”, que está na base do que marcou profundamente a Conferência dos bispos da América Latina em Puebla (1979), quando falaram em “Comunhão e Participação”.
Estas caracterizações e reflexões eclesiológicas e pastorais -“Povo de Deus”, “estar no mundo”, “sacerdócio comum” e “comunhão e participação”- nos levam a uma “Igreja comunitária”, incentivada desde a Conferência de Medellin (1968), aquela Igreja experimentada e vivida pelas Comunidades Eclesiais de Base, tão fortemente presentes na caminhada do Povo de Deus no nosso continente.
É esta Igreja que podemos entender como um dos caminhos que abrirá espaço para a realização do Reino de Deus. Entendo esta maneira de ser Igreja (Dom Aloísio Lorscheider dizia que “comunidade é a única maneira da Igreja ser”)como uma das formas de vivermos a nossa missão, porque nela percebemos claramente as quatro características acima citadas. “Missão” assumida em comunidade por todos aqueles que fazem parte do projeto de Jesus e que, em corresponsabilidade, juntos com Ele, darão sinais da chegada do Reino de Deus no meio de nós.
Hoje em dia a nossa indagação deve ser como vivenciar a mensagem viva de Cristo, de tal maneira que dela nasça uma vida cristã consciente, com verdadeira união na celebração da Eucaristia e com a perspectiva de uma existência social mais humana.
As pequenas comunidades que vivem a sua vida cristã conscientemente tornam visível o invisível! Elas tornam visível o que? A unidade. A unidade como força construtiva que é a base, o fundamento da transformação de um mundo desumano e distante das características do Reino de Deus.
Esta presença unificadora na vida do povo em comunidade não poderia ter se realizado se a sensibilidade por união e vida comunitária não fosse inerente ao ser humano, se a vontade de unir-se não fosse uma característica essencial de todo homem e toda mulher, se este movimento não tivesse tido como ponto de partida as primeiras comunidades dos cristãos nas quais “todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum ...” (Atos 2, 44)
E “A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma.” (Atos 4,32) e se o movimento iniciado por Cristo não tivesse partido do profundo desejo d’Ele de unir a todos em torno do Pai (“.... para que sejam um, como nós somos um”, João 17, 22b).
Quero crer que, a partir desta maneira de sermos Igreja, poderemos chegar a renovadas maneiras de colocarmos em prática a nossa missionariedade, adaptada aos nossos tempos de hoje, construindo em conjunto respostas adequadas aos anseios dos homens e das mulheres de hoje: missão entendida como um movimento no qual se vive a fé no Cristo Ressuscitado.
Esta missão há de nos interpelar e inquietar: quanto tempo nós, como seguidores de Jesus, “dedicamos ao Amor e à Justiça” (São Vicente de Paulo), que são as pedras fundacionais do Reino de Deus?
Fortaleza, 28 de setembro de 2011
Geraldo Frencken
Fontes.
1-COMBLIN, Padre José. O que está acontecendo na Igreja?
(Conferência proferida por José Comblin em 18 de março de 2010 em San Salvador em comemoração aos trinta anos de morte de Dom Romero)
2- VALENTINI, Dom Demétrio. Revisitar o Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 27-28
Nenhum comentário:
Postar um comentário