sexta-feira, 2 de março de 2012

Girardi, o teólogo revolucionário

*O relato é do teólogo italiano Giovanni Franzoni  ,O artigo foi publicado no jornal L'Unità, A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Recordar Giulio Girardi no momento em que ele nos abandona fisicamente, mas certamente não espiritualmente, significa percorrer novamente toda a nossa vida de cristãos comprometidos depois do Concílio entre os anos 1970 até hoje. Eram os anos em que os homens da ciência e do saber não utilizavam mais os seus conhecimentos para consolidar e reforçar os poderes existentes, mas, estimulados pelo Concílio Vaticano II, desciam das cátedras para tornar viva e encarnada na realidade social da humanidade a sua fé.

São os anos da carta dos treze padres romanos que protestam contra a condição de marginalização de quem vivia em condições incivilizadas nos casebres da capital e da minha carta, "A terra é de Deus", com a qual eu denunciava a especulação imobiliária e o silêncio da Igreja comprometida com os interesses dos grandes latifundiários e com as especulações feitas sobre as costas das pessoas pobres no interesse da Democracia Cristã romana.

Eram os anos em que Gérard Lutte, professor da Pontifícia Universidade Salesiana como Girardi, saía das fileiras das instituições e passava a habitar entre os casebres de Prato Rotondo. Naqueles anos, Giulio Girardi colocaria à disposição o seu conhecimento filosófico e teológico para uma estratégia de reaproximação do mundo dos fiéis com a esquerda histórica. Para a revolução das classes subalternas, muitas vezes reduzidas a condições subumanas.

Ele escreveu Cristianismo e marxismo. Teria uma cátedra na Sorbonne de Paris. Girardi colocaria em crise a sua relação com a instituição da ordem salesiana e com a universidade salesiana.

Com o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, começou a auxiliar na fundação do movimento Cristãos pelo Socialismo e a Teologia da Libertação. Foi um longo período durante o qual ele o apoiou e documentou sobre a possibilidade de não fazer coincidir o alto percurso de fé com a ideologia filosófica marxista. Mas sim identificar objetivos sociais concretos sobre os quais se realizava o encontro com as forças sociais e políticas de inspiração marxista. Foi uma grande temporada de elaboração e de revisitação da fé que envolveu as comunidades cristãs de base desenvolvidas primeiramente na América Latina, depois na África e, finalmente, na Europa.

Ele nos ajudou a amadurecer a convicção de que optar por uma escolha de classe não significava abraçar uma escolha ideológica, mas sim revisitar o ensinamento evangélico ao lado dos pobres e dos explorados. Era assim que se dava concretude àquela ideia amadurecida durante o Concílio Vaticano II, graças principalmente à obra do cardeal Lercaro, de uma Igreja que é acima de tudo "convocação dos pobres". Não uma Igreja exclusiva, em que estão apenas os pobres, mas que relê a mensagem evangélica na condição daqueles que estão sem voz, sem poder, sem autoridade.

A essa grande temporada de compromisso teológico, seguiu-se a de Giulio Girardi, que se torna suporte às culturas das populações indígenas. Estamos na crise do socialismo real, que mostra o seu rosto repressivo e autoritário.

Amadurecida a convicção de que era necessário privilegiar a luta das populações indígenas para sair da opressão do colonialismo e do escravismo internacional. Em Quito, no Equador, em 1992, haverá a reviravolta, com a grande assembleia das populações indígenas e dos movimentos que defendiam os "sem-terra" no Brasil. Nas comunidades cristãs, também se recupera a escolha de se colocar não do lado dos civilizadores, mas sim dos colonizados. Porque, junto com o Evangelho, também havia sido levada a submissão aos povos indígenas.

Giulio Girardi participava com grande ímpeto desse movimento. Estava como que apaixonado pela espontaneidade e pela transparência da luta desses povos. Na Nicarágua, ele tinha o seu próprio quarto no Centro Valdivieso de Manágua. Ele estaria ao lado das populações de Chiapas, no México, e seria amigo e conselheiro do líder cubano Fidel Castro.

Hoje, ninguém pode propor uma fórmula única para a libertação dos povos. Muitas são as estradas e muitas são as experiências com as quais se medir. Girardi assumira a fórmula da não violência ativa. Escreveu sobre Gandhi e o bispo Proaño. Refletindo sobre Che Guevara, chegou a indicar um veio de clemência e de amor também na luta de libertação armada. Quem pega em armas por amar deve saber que o inimigo também é um homem oprimido a ser libertado.

Foi assim que, mesmo nas comunidades de base, se começou a conjugar uma espécie de mansidão não apenas para com os oprimidos, mas também para com os opressores. Giulio Giradi se inspirou nessa convicção, e a sua memória não pode se tornar de museu. Continuou sendo aquela que é até hoje: uma prática de libertação para todos os oprimidos. Um processo que não pode vir do alto, como acontece com a globalização financeira, que deixa tudo nas mãos dos poderosos.

A Teologia da Libertação nos ajudou a entender que não é contra um inimigo externo que devemos combater, que o inimigo também está dentro de nós. Que à exploração alimentada do lado de fora, há processos de reação vitais: os autogeridos pela base e pelo mundo dos oprimidos. Foi isso que, com grande esforço, Giulio Girardi nos ajudou a ver. É isso que nós levamos adiante. Com a sua paixão humilde, gentil e profundamente humana, mas ao mesmo tempo rigorosa. Um fatigante andar contracorrente e rumo ao "pouco provável". É o caminho das comunidades de base.

Como diz a canção de Bennato, ele foi o pesquisador da ilha que não existe. Mas que poderia existir. Cabe a nós fazer com que exista. Assim o lembraremos nesta terça-feira, às 14 horas, na Comunidade de San Paolo. Ele morreu na humildade, mas a esperança de civilizar a humanidade certamente não morreu.

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