terça-feira, 26 de junho de 2012

A necessidade de voltar para a Igreja dos pobres.




Artigo de Jon Sobrino



A deterioração da Igreja depois de Puebla é inocultável. A análise é do teólogo jesuíta salvadorenho, de origem espanhola, Jon Sobrino, professor da Universidade Centro-Americana, de San Salvador. O artigo foi publicado no sítio Reflexión y Liberación, 22-06-2012.
Ver a Igreja "em pobreza e sem poder" nunca teve muito êxito, e isso não se tornou algo central nem sequer no Vaticano II, tão importante e decisivo em muitas outras coisas. Isso ocorreu, sim, em Medellín, e em Puebla ainda pôde se sair bem perante graves manobras contrárias. Mas, há três décadas, a deterioração é inocultável. Comblin diz: "Depois de Puebla, começou a Igreja do silêncio. A Igreja começou a não ter nada a dizer". E, embora Aparecida tenha significado um pequeno freio, na Igreja ainda não aconteceu aquele "reverter a história" que Ellacuría exigia para curar uma sociedade gravemente doente. A conclusão é que é preciso voltar para uma Igreja dos pobres e trabalhar por isso.

O Vaticano II. João XXIII desejava que o Concílio reconhecesse que a Igreja é "uma Igreja dos pobres". O cardeal Lercaro proferiu um discurso emotivo e lúcido sobre isso no fim da primeira sessão em 1962, e Dom Himmer pediu com toda a clareza: "É preciso reservar aos pobres o primeiro lugar na Igreja". Mas, ainda em outubro de 1963, o bispo Gerlier se queixava da pouca importância que estava sendo dada aos pobres no esquema sobre a Igreja. Os bispos latino-americanos mais lúcidos também captaram logo que o tema estava muito distante da imensa maioria do Concílio, a questão era muitodistante para eles, embora sempre se mantivesse um grupo que queria seguir a inspiração de João XXIII, entre eles um bom número de latino-americanos. Eles se reuniram confidencialmente e de forma regular na Domus Mariae, para tratar do tema "a pobreza da Igreja".
Em 16 de novembro de 1965, poucos dias antes do encerramento do Concílio, cerca de 40 padres conciliares celebraram uma eucaristia nas catacumbas de Santa Domitila. Pediram para "serem fiéis ao espírito de Jesus" e, ao terminar a celebração, assinaram o que chamaram de "o pacto das catacumbas".
O "pacto" é um desafio para os "irmãos no episcopado" para levar uma "vida de pobreza" e ser uma Igreja "servidora e pobre", como João XXIII a queria. Os signatários – incluindo muitos latino-americanos e brasileiros, aos quais depois se uniram outros – se comprometiam a viver em pobreza, a rejeitar todos os símbolos ou privilégios de poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. O texto teria uma forte influência na teologia da libertação que despontaria poucos anos depois. Um dos propulsores do pacto foi Dom Helder Câmara. Em 2009, celebramos o centenário do seu nascimento, em 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, Ceará, no Nordeste do Brasil.
Lendo hoje o pacto, chama a atenção que, no fundamental, ele trata de um único assunto: a pobreza. Mas, por ser o eixo em torno do qual tudo girava – e não, por exemplo, a administração dos sacramentos –, o pacto das catacumbas produziu frutos importantes em Medellín e, pouco a pouco, em outras Igrejas. Historicamente, levou à luta pela justiça e pela libertação. Eclesialmente, à opção pelos pobres. Teologicamente, ao Deus dos pobres. Atualmente, também há "pactos". Pedro Casaldáliga é o seu porta-voz mais eloquente. Em sua circular de 2009, ele escreve: "pacto".
Dom Helder Câmara era um dos principais animadores do grupo profético. Hoje, nós, na turbulenta conjuntura atual, professamos a vigência de muitos sonhos, sociais, políticos, eclesiais, aos quais não podemos renunciar de modo algum.
Continuamos rejeitando o capitalismo neoliberal, o neoimperialismo do dinheiro e das armas, uma economia de mercado e do consumismo que sepulta na pobreza e na fome a uma grande maioria da humanidade. E continuaremos rejeitando toda discriminação por motivos de gênero, de cultura, de raça. Exigimos a transformação substancial dos órgãos mundiais (ONU, FMI, Banco Mundial, OMC...). Comprometemo-nos a viver uma "ecologia profunda e integral", propiciando uma política agrário-agrícola alternativa à política predatória do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Participaremos das transformações sociais, políticas e econômicas, para uma democracia de "alta intensidade". Como Igreja, queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macroecumênica também. O Deus em que cremos, o Abbá de Jesus, não pode ser de modo algum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazer do nosso Deus o único Deus verdadeiro. "Meu Deus, deixa-me ver a Deus?".
Com todo o respeito pela opinião do Papa Bento XVI, o diálogo inter-religioso não só é possível, mas também é necessário. Faremos da corresponsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de discriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido de nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma
rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da humanidade.
Continuaremos fazendo com que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: "Não seja assim entre vós" (Mt 21, 26). Que a autoridade seja serviço. O Vaticano deixará de ser Estado, e o papa não será mais chefe de Estado. A Cúria deverá ser profundamente reformada, e as Igrejas locais cultivarão a inculturação do Evangelho e a ministerialidade compartilhada.
A Igreja se comprometerá, sem medo, sem evasões, com as grandes causas da justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anúncio, de denúncia, de consolação.

Jon Sobrino UCA de San Salvador

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