terça-feira, 21 de agosto de 2012

A última lição de D. Helder


  Hoje, 17 de agosto de 2012, na Sé de Olinda, procedemos à exumação dos restos mortais de D. Helder. Manhã fria e chuvosa de agosto.
Depois de praticamente treze anos sepultado no chão dessa igreja, seus restos mortais repousarão ao lado dos de D. Lamartine, bispo irmão que o auxiliou no pastoreio da Arquidiocese de Olinda e Recife e dos de Pe. Henrique, mártir da ditadura que se instalou no nosso país a partir de 1964.
Envolta em seu caixão ainda restava a bandeira do Movimento dos Sem Terra, intacta, na época, um símbolo da luta de camponeses em busca de um pedaço de terra para plantar e sobreviver com suas famílias. Lembro-me do dia do enterro.
Confesso que nutria em meu íntimo a esperança de que o corpo dele estivesse intacto também, tal qual a bandeira, pois no meu pensamento isso seria um sinal poderoso para a Igreja, de que o Dom é um santo e como tal, tudo que ele lutara e escrevera e sinalizara teria que ser aceito oficialmente.
Ledo engano. Mais uma vez o profeta surpreende! Mais uma vez ele nos mostra que os pobres é que são os profetas de Deus.
Lentamente ele nos vai ensinando sua última lição, ou seria a primeira na vida plena? Não importa, é uma lição importante, um ensinamento para nós e para nossa Igreja: tudo passa, prestígio, glória, cargos, poder. Tudo é pó e ao pó tudo retorna. Outro ensinamento: os pobres são os destinatários primeiros da boa nova do Ressuscitado, pois só Ele é quem saiu do túmulo com vida, e vida plena.
Pouco a pouco a morte vai mostrando aos olhos humanos o estrago que causa, mesmo nas pessoas mais especiais e queridas. O som lúgubre, oco, de saudade, destampa as lajes do chão da Sé. Outra surpresa, o Dom foi sepultado como os leigos o são, com a cabeça voltada para a porta, e não ao contrário, como os clérigos. O que o desgaste da morte não mostra é o que os olhos da fé iluminam, como uma luz vinda do alto a nos perguntar: por que procuram o vivo dentre os mortos?
A resposta veio-me algumas horas após. Saindo dali, deu-se à luz uma criança, nos meus braços, saudável, chorando forte a plenos pulmões, inspirando e expirando o sopro da vida, o pneuma que a tudo anima.
Certamente mais um sinal do Dom, ensinando que a vida é eterna.

Assuero Gomes

2 comentários:

  1. Belíssimo texto, com uma correlação de ideias e imagens impressionante. Acrescento que a morte não causa estrago ao espírito, nem aos ideais de construção do Reino em nossa História. Para mim, esse foi o papel de profetas como D. Hélder e D. Aloísio: sinalizavam com a esperança da Ressurreição e nos mostravam em gestos concretos que um outro jeito de viver é possível.

    ResponderExcluir
  2. texto maravilhoso, cheio da verdade que o Dom tanto fez para preservar e anunciar. Deus abençoe vocês. Vou copiar e colocar na nossa pagina do Face book de teologia da libertação.
    Peço a Deus que o Dom seja o exemplo de santidade para as próximas gerações como ele em vida foi para nós.

    ResponderExcluir