Teologia da Libertação e Libertação
da Teologia
Há exatos 40 anos o
teólogo peruano Gustavo Gutierrez publicava o livro “Teologia de laLiberación”,
célebre obra cujo título seria usado, nas décadas a seguir, para designar toda
uma corrente de pensamento teológico latino-americano que despertou atenção e
interesse no mundo inteiro. Lembro-me de ter estudado a tradução alemã (Theologie der Befreiung) durante os meus
anos de seminário em Frankfurt, em 1984/85. O que havia de tão novo e atraente
nesse modo de fazer Teologia?
Para compreender, um
pouco de história. O Concílio Vaticano II (1962-1965) dera o ponto-a-pé
inicial: havia produzido constituições e declarações que libertavam a Igreja
Católica da situação de encastelamento e da atitude de desconfiança frente ao
mundo moderno em que Pio XII (1939-1958) a mantivera. Aggiornamento – a “hodiernização” da Igreja pregada por João XXIII
– tornara-se a palavra da hora. Ao invés de perpetuar a postura condenatória
frente às doutrinas modernas consideradas nocivas à Fé, a Igreja procurava
mostrar ao mundo, agora, um rosto mais compreensivo e “materno”, oferecendo-se
até como parceira e companheira dos anseios e das lutas legítimas de homens e
mulheres a caminho de sua progressiva humanização.
Esta reviravolta no
relacionamento entre Igreja e mundo causou profundo impacto no episcopado
latino-americano, como haveria de ficar evidente na 2ª Conferência do CELAM, em
Medellín (1968). Bispos e assessores teológicos descobriam, então, que as“alegrias e tristezas, as esperanças e as
angústiasdos homens de hoje”(GS) com as quais a Igreja havia prometido
solidarizar-se eram representadas, na realidade da América Latina, pelos
inúmeros pobres e miseráveis em busca dedignidade e de melhores condições de
vida, bem como por aqueles cristãos e não-cristãos que lado a lado lutavam pela
defesa dos direitos humanos, tornando-se assim alvos das ditaduras militares no
continente. Foi nesse clima dramático e, ao mesmo tempo, esperançoso que nasceu
a “opção pelos pobres” enquanto atitude pastoral prioritária e gesto profético da
Igreja de Cristoem uma sociedade marcada por gritante desigualdade social, repressão
e descaso político.
O fruto mais precioso
desta opção foi um até então inédito processo de aproximação e inserção da vida
religiosa nos meios pobres no campo e na cidade, de engajamento nos movimentos
sociais e – não menos importante – de mergulho na religiosidade popular.
Teólogos e teólogas de notória intelectualidade se dividiam entre o ensino
catedrático e assessorias gratuitas para grandes encontros das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), em todo o Brasil. “Teologia da Libertação”
queriadizer, em primeiro lugar: acompanhar teologicamente,
i.e. através de uma reflexão ordenada à luz da fé, os passos de libertação e
emancipação humana que segmentos do povo cristão já empreendiam, em parceria
com outros agentes sociais mais secularizados. Portanto, um fazer teológico por sobre práticas já existentes de
libertação. A tarefa da Teologia nesse acompanhamento era antes de tudo espiritual: ajudar o povo a descobrir o
quanto o Deus da Bíblia e da tradição cristã é solidário com seus esforços por
uma vida mais digna, fraterna e justa, preveni-lo contra desvios e
reducionismos ideológicos, muni-lo de uma esperança cristã inquebrantável. O
enriquecimento espiritual haveria de se mostrar recíproco: na inserção popular
se evangelizava – e se era evangelizado!
Ao longo do tempo,
porém, foi ficando mais claro que a Teologia da Libertação teria de ser também
uma teologia que liberta: uma forma
de refletir acerca dos dados da revelação cristã que esclareça as mentes (e não
as mantenha alheias à realidade), que promova a franqueza e o destemor dos
fiéis (e não a obediência bajuladora), que reconcilie Fé e Razão, Bíblia e
Ciência, Transcendência e Imanência (e não prolongue a dicotomia entre o que se
crê e o que se sabe). Já nos anos 70, o jesuíta uruguaio Juan Luís Segundo
publicou um livro de grande impacto, intitulado Libertação da Teologia.Percebeu-se que a articulação das “verdades
da Fé” nos moldes tradicionais, a qual utiliza uma linguagem obsoleta e se
assenta sobre a concepção pré-moderna de um teísmo intervencionista ingênuo,
não poderia corresponder ao nível de consciência crítica de cristãos e cristãs
que hoje militam nas realidades seculares, nem satisfazer a sua fome por um
alimento espiritual mais sólido. Caso a Igreja não queira abandonar esses seus
fiéis mais dedicados, precisará então repensar métodoe conteúdo da tão badalada “nova
evangelização”.
Não seriam as grandes
intuições do Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação ainda oportunas,
até necessárias para os cristãos de
hoje? O Movimento por uma Formação Cristã Libertadora (MFCL) concita,com o seu Simpósio
Teológico, a todos os interessados ao debate.
Carlo Tursi é teólogo católico, membro da
Coordenação Arquidiocesana das CEBs e do Movimento da Formação Cristã
Libertadora, além de fazer parte de O GRUPO
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