sábado, 1 de setembro de 2012

Teologia da Libertação e Libertação da Teologia

Foto by Jean dos Anjos
 
Teologia da Libertação e Libertação da Teologia
Há exatos 40 anos o teólogo peruano Gustavo Gutierrez publicava o livro “Teologia de laLiberación”, célebre obra cujo título seria usado, nas décadas a seguir, para designar toda uma corrente de pensamento teológico latino-americano que despertou atenção e interesse no mundo inteiro. Lembro-me de ter estudado a tradução alemã (Theologie der Befreiung) durante os meus anos de seminário em Frankfurt, em 1984/85. O que havia de tão novo e atraente nesse modo de fazer Teologia?
Para compreender, um pouco de história. O Concílio Vaticano II (1962-1965) dera o ponto-a-pé inicial: havia produzido constituições e declarações que libertavam a Igreja Católica da situação de encastelamento e da atitude de desconfiança frente ao mundo moderno em que Pio XII (1939-1958) a mantivera. Aggiornamento – a “hodiernização” da Igreja pregada por João XXIII – tornara-se a palavra da hora. Ao invés de perpetuar a postura condenatória frente às doutrinas modernas consideradas nocivas à Fé, a Igreja procurava mostrar ao mundo, agora, um rosto mais compreensivo e “materno”, oferecendo-se até como parceira e companheira dos anseios e das lutas legítimas de homens e mulheres a caminho de sua progressiva humanização.
Esta reviravolta no relacionamento entre Igreja e mundo causou profundo impacto no episcopado latino-americano, como haveria de ficar evidente na 2ª Conferência do CELAM, em Medellín (1968). Bispos e assessores teológicos descobriam, então, que as“alegrias e tristezas, as esperanças e as angústiasdos homens de hoje”(GS) com as quais a Igreja havia prometido solidarizar-se eram representadas, na realidade da América Latina, pelos inúmeros pobres e miseráveis em busca dedignidade e de melhores condições de vida, bem como por aqueles cristãos e não-cristãos que lado a lado lutavam pela defesa dos direitos humanos, tornando-se assim alvos das ditaduras militares no continente. Foi nesse clima dramático e, ao mesmo tempo, esperançoso que nasceu a “opção pelos pobres” enquanto atitude pastoral prioritária e gesto profético da Igreja de Cristoem uma sociedade marcada por gritante desigualdade social, repressão e descaso político.
O fruto mais precioso desta opção foi um até então inédito processo de aproximação e inserção da vida religiosa nos meios pobres no campo e na cidade, de engajamento nos movimentos sociais e – não menos importante – de mergulho na religiosidade popular. Teólogos e teólogas de notória intelectualidade se dividiam entre o ensino catedrático e assessorias gratuitas para grandes encontros das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em todo o Brasil. “Teologia da Libertação” queriadizer, em primeiro lugar: acompanhar teologicamente, i.e. através de uma reflexão ordenada à luz da fé, os passos de libertação e emancipação humana que segmentos do povo cristão já empreendiam, em parceria com outros agentes sociais mais secularizados. Portanto, um fazer teológico por sobre práticas já existentes de libertação. A tarefa da Teologia nesse acompanhamento era antes de tudo espiritual: ajudar o povo a descobrir o quanto o Deus da Bíblia e da tradição cristã é solidário com seus esforços por uma vida mais digna, fraterna e justa, preveni-lo contra desvios e reducionismos ideológicos, muni-lo de uma esperança cristã inquebrantável. O enriquecimento espiritual haveria de se mostrar recíproco: na inserção popular se evangelizava – e se era evangelizado!
Ao longo do tempo, porém, foi ficando mais claro que a Teologia da Libertação teria de ser também uma teologia que liberta: uma forma de refletir acerca dos dados da revelação cristã que esclareça as mentes (e não as mantenha alheias à realidade), que promova a franqueza e o destemor dos fiéis (e não a obediência bajuladora), que reconcilie Fé e Razão, Bíblia e Ciência, Transcendência e Imanência (e não prolongue a dicotomia entre o que se crê e o que se sabe). Já nos anos 70, o jesuíta uruguaio Juan Luís Segundo publicou um livro de grande impacto, intitulado Libertação da Teologia.Percebeu-se que a articulação das “verdades da Fé” nos moldes tradicionais, a qual utiliza uma linguagem obsoleta e se assenta sobre a concepção pré-moderna de um teísmo intervencionista ingênuo, não poderia corresponder ao nível de consciência crítica de cristãos e cristãs que hoje militam nas realidades seculares, nem satisfazer a sua fome por um alimento espiritual mais sólido. Caso a Igreja não queira abandonar esses seus fiéis mais dedicados, precisará então repensar métodoe conteúdo da tão badalada “nova evangelização”.
Não seriam as grandes intuições do Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação ainda oportunas, até necessárias para os cristãos de hoje? O Movimento por uma Formação Cristã Libertadora (MFCL) concita,com o seu Simpósio Teológico, a todos os interessados ao debate.
Carlo Tursi é teólogo católico, membro da Coordenação Arquidiocesana das CEBs e do Movimento da Formação Cristã Libertadora, além de fazer parte de O GRUPO


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