No dia 07 de fevereiro de 1909 nasceu, na cidade de Fortaleza, Dom Helder Pessoa Camara. Depois de uma vida na qual praticou a pobreza evangélica, se dedicou, permanentemente, aos pobres, defendeu, com firmeza, os Direitos Humanos, e deu um novo rosto à Igreja no Brasil, o “Profeta do Século XX”, abafado e perseguido pelos governos militares e não entendido pela hierarquia da própria Igreja, encontrou-se com seu Criador na noite do dia 27 de agosto de 1999.
Gostaria de contar alguns fatos pouco divulgados, porém verídicos, daqueles dias. Claudete e eu – morávamos naquele ano em Recife - fomos participantes, portanto, testemunhos oculares, da cerimônia de despedida do Dom.
Na tarde-noite daquele sábado, dia 28 de agosto de 1999, uma grande multidão acompanhava o Dom, cujo corpo era coberto de flores de todas as cores e todos os perfumes. O caminho era longo, desde a Igreja das Fronteiras, morada do Dom, passando pelas avenidas do Recife, subindo os morros de Olinda, até chagar em frente à catedral, onde se concentrava, desde cedo, grande multidão que rezava sua fé, chorava sua dor, mas cantava também sua esperança, divina força dos pobres. Havia sido preparada uma área reservada e cercada na qual, ao redor do corpo do Dom, encontravam-se bispos, padres e alguns convidados. O povo ao redor, sem poder ver o rosto descansado do seu pastor, participava intensamente daquela celebração da vida e ressurreição. Em dado momento, um jovem, Jaime Amorim, coordenador do M.S.T., se soltou no meio do povo, desenrolou e mostrou a todos a bandeira do Movimento dos Sem Terra, e colocou-a sobre o caixão do Dom. Enquanto uns ficavam sem saber como reagir diante de tal atitude inusitada, outros, isto é, quase todos, aprovavam este gesto, que expressava uma simbologia que, embora não fizesse parte do rito litúrgico romano, proporcionava profundo sentido àquela celebração.
Quase treze anos depois, em 17 de agosto de 2012, na Sé de Olinda, por motivos diversos, foi realizada a exumação dos restos mortais de Dom Helder. Ouçam o que aconteceu naquela manhã fria e chuvosa de agosto. Assuero Gomes, médico pediatra e escritor, amigo e fiel seguidor do Dom, nos apresentou o seguinte relato, acompanhado de bela reflexão:
“Depois de praticamente treze anos sepultado no chão dessa igreja, seus restos mortais repousarão ao lado dos de D. Lamartine, bispo irmão que o auxiliou no pastoreio da Arquidiocese de Olinda e Recife e dos de Padre Henrique, mártir da ditadura que se instalou no nosso país a partir de 1964.
Envolta em seu caixão ainda restava a bandeira do Movimento dos Sem Terra, intacta, na época, um símbolo da luta de camponeses em busca de um pedaço de terra para plantar e sobreviver com suas famílias. Lembro-me do dia do enterro.
Confesso que nutria em meu íntimo a esperança de que o corpo dele estivesse intacto também, tal qual a bandeira, pois no meu pensamento isso seria um sinal poderoso para a Igreja, de que o Dom é um santo e como tal, tudo que ele lutara e escrevera e sinalizara teria que ser aceito oficialmente. Ledo engano. Mais uma vez o profeta surpreende! Mais uma vez ele nos mostra que os pobres é que são os profetas de Deus.
Lentamente ele nos vai ensinando sua última lição, ou seria a primeira na vida plena? Não importa, é uma lição importante, um ensinamento para nós e para nossa Igreja: tudo passa, prestígio, glória, cargos, poder. Tudo é pó e ao pó tudo retorna.
Outro ensinamento: os pobres são os destinatários primeiros da boa nova do Ressuscitado, pois só Ele é quem saiu do túmulo com vida, e vida plena.
Pouco a pouco a morte vai mostrando aos olhos humanos o estrago que causa, mesmo nas pessoas mais especiais e queridas. O som lúgubre, oco, de saudade, destampa as lajes do chão da Sé. Outra surpresa, o Dom foi sepultado como os leigos o são, com a cabeça voltada para a porta, e não ao contrário, como os clérigos.
O que o desgaste da morte não mostra é o que os olhos da fé iluminam, como uma luz vinda do alto a nos perguntar: por que procuram o vivo dentre os mortos?
A resposta veio-me algumas horas após. Saindo dali, deu-se à luz uma criança, nos meus braços, saudável, chorando forte a plenos pulmões, inspirando e expirando o sopro da vida, o pneuma que a tudo anima.
Certamente mais um sinal do Dom, ensinando que a vida é eterna.”
Estatua do Dom em frente à Igreja das Fronteiras – Recife
Que o espírito de Dom Helder possa sobreviver na prática da vida de cada um(a) de nós.
Fortaleza, 06-02-2013,
Geraldo Frencken
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