sexta-feira, 22 de março de 2013

DOM OSCAR ROMERO, MÁRTIR



Domingo próximo, dia 24 de março, nos lembramos da vida, morte e ressurreição de Oscar Romero, arcebispo de El Salvador. Na véspera de seu martírio, pronunciou as seguintes palavras, dirigindo-se diretamente à ditadura militar: “Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: ‘NÃO MATARÁS!’ Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. No dia seguinte, 24 de março de 1980, enquanto celebrava a Eucaristia na capela do Hospital da Divina Providência, Dom Oscar foi assassinado por um atirador de elite do exército salvadorenho. O mandante do crime, major Roberto D’Aubuisson, reconhecido como responsável, nunca foi processado.
Óscar Arnulfo Romero Galdámez, conhecido como Monsenhor Romero, nasceu em Ciudad Barrios em 15 de agosto de 1917 numa família de origem humilde. Ele foi ordenado padre em 4 de abril de 1942. Nomeado bispo auxiliar de San Salvador em 1970, tornou-se bispo de Santiago de Maria em 1974. Em 1977 foi nomeado Arcebispo de San Salvador. Escolhido como arcebispo por seu aparente conservadorismo, uma vez nomeado aderiu aos ideais da não-violência, posição que o levou a ser comparado ao Mahatma Gandhi e a Martin Luther King. Por isso, Oscar Romero passou a denunciar, em suas homilias dominicais, as numerosas violações de direitos humanos em El Salvador e manifestou publicamente sua solidariedade com as vítimas da violência política, no contexto da Guerra Civil de El Salvador. Dentro da Igreja Católica, defendia a "opção preferencial pelos pobres".
"A missão da Igreja é identificar-se com os pobres. Assim a Igreja encontra sua salvação."
(Dom Oscar Romero)

Dom Oscar passou por um verdadeiro e sofrido processo de conversão ao longo de sua vida como arcebispo, exatamente a partir do momento em que começou a “ver a opressão do povo salvadorenho e ouviu-o clamar sob os golpes dos chefes da ditadura militar. Ao conhecer seus sofrimentos, desceu do trono arquiepiscopal para libertar o povo de seus opressores, levando-o para uma vida de esperança, onde há de manar justiça e paz!” (cf. Êxodo 3, 7.8).
Na medida em que aprendia a caminhar junto ao povo “se tornou um anunciador da fé e da verdade, um resoluto defensor da justiça e, enfim, um amigo, um irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que
vivem nos bairros marginalizados”, como testemunhava um grupo de bispos latino-americanos, no dia 29 de março de 1980, às vésperas dos funerais de dom Romero.

Dom Oscar Romero não estava sozinho no sonho de uma Igreja dos pobres.

1. Ele se encontrava dentro da tradição bíblica-cristã a favor dos pobres:
* “Ele julgará os indefesos com justiça, se pronunciará com equidade pelos pobres da terra” (Isaías 11, 4);
* “Ele deu com largueza aos pobres: sua justiça subsiste sempre, sua fronte se levanta com altivez” (Salmo 112, 9);
* “Quem despreza o próximo, peca; mas quem tem pena da gente humilde é feliz” (Provérbios 14, 21);
* “A Boa Nova é anunciada aos pobres” (Mateus, 11, 5 e Lucas 4, 18; 7, 22);
* “Eles [Tiago, Pedro e João] pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado.” (Gálatas 2, 10).

2. Ele se encontrava dentro da tradição histórica do cristianismo a favor dos pobres:
* Jesus, muito distante dos palácios, do luxo e da ostentação, viveu a pobreza.
* Francisco de Assis e Clara, no século XIII, seguiram seu mestre nestes preceitos.
* Vicente de Paulo, no século XVII, ficou conhecido por viver pobre e organizar a assistência aos pobres, a fim de que chegassem a ter vida mais digna. Ele dizia que “o amor é inventivo até o infinito!”, ou seja, sempre haveremos de construir novas formas de viver a pobreza e, ao mesmo tempo, buscar meios adequados de cuidar dos pobres.
* Nos dias do próprio Romero encontramos Tereza de Calcutá, e, mais perto de nós, Dom Helder Camara, Irmã Dulce e tantos outros que sabiam e sabem viver a grande lição do Evangelho na humildade, simplicidade, no serviço e no cuidado.
Todos, cada um(a) à sua maneira, têm testemunhado a pobreza evangélica como base da vida dos seguidores de Jesus, rumo a um mundo novo, o Reino de Deus, que podemos viver já aqui entre nós, aquele reino que já é, e, no mesmo momento, ainda não é.
3. Ele se encontrava dentro da tradição recente da Igreja a favor dos pobres:
* Papa João XXIII, em 11-09-1962, poucos dias antes do início do Concílio Vaticano II: “Pensando nos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos, em particular, a igreja dos pobres”;
* Um grupo de bispos, poucos dias antes do término do Concílio Vaticano II (16-11-1965), firmou o “Pacto das Catacumbas de uma Igreja serva e pobre”, dizendo: “Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Também renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas e cores berrantes), como nas insígnias de
matéria preciosa, que devem ser evangélicos.” Optaram eles, desta forma, por uma vida pobre, deixando seus palácios e indo morar em casas simples, tirando anéis e outros ornamentos, a fim de aproximar-se mais do jeito simples de ser de Jesus. Dom Helder Camara e Dom Fragoso estavam entre os bispos que assinaram e viveram este pacto.
* Conferência Episcopal Latino-Americana em Medellín (1968): “A Igreja da América Latina, dadas às condições de pobreza e subdesenvolvimento do continente, sente a urgência de traduzir o espírito de pobreza em gestos, atitudes e normas, quer a tornam um sinal lúcido e autêntico do Senhor. A pobreza de tantos irmãos clama por justiça, solidariedade, testemunho, compromisso, esforço e superação para o cumprimento pleno da missão salvífica confiada por Cristo”. (documento de Medellín, p. 146).
* Dom Oscar participou da Conferência Geral dos Bispos Latino-americanos em Puebla (1979), e identificou-se plenamente com o apelo dos bispos à “conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, no intuito de sua integral libertação” (documento de Puebla, n.º 1134).
O seu compromisso com a causa do povo sofrido de San Salvador, a sua opção evangélica e profética pelos pobres, a sua coragem de denunciar as injustiças, a sua força de anunciar a libertação através do Evangelho de Cristo, e a sua humildade de testemunhar a pobreza por vivê-la em sua própria vida, fizeram com que Oscar Romero se tornasse servidor do povo, até na consequencia do martírio.

“Uma religião com uma missa aos domingos, mas com semanas injustas, não agrada ao Senhor.
Uma religião com muitas orações, mas com hipocrisia no coração, não é cristã.
Uma Igreja que se organiza apenas para ser próspera, para ter muito dinheiro e conforto, mas que se esquece de se insurgir contra as injustiças, não é a verdadeira Igreja do nosso divino Redentor.”

(Dom Oscar Romero)



Fortaleza, 22-03-2013,
Geraldo Frencken

Um comentário:

  1. O que torna Oscar Romero um referencial para a Igreja de Jesus Cristo é o seu processo de conversão. A Palavra ia germinando dentro dele e precisava se expandir em ações semelhantes às de Jesus. A dor daquele povo começou a latejar em Romero e deu no que deu... Morreu como um profeta, assassinado por um sistema abominável... Belíssimo texto, Geraldo.

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