Ver (uma história verdadeira)
Há muitos anos, um padre, lá pelas bandas da Amazônia, encontrava-se diante de um dilema: como celebrar a festa de Corpo de Cristo com a bela procissão, segurando o Cristo Sacramentado, andando por caminhos, cobertos de belas e cheirosas flores em forma de tapetes bem desenhados, enquanto aquela procissão havia de passar, necessariamente, em frente aos cortiços sujos, malcheirosos, nos quais muita gente “vivia” empilhada? Tamanha contradição e, pior, incoerência! Após muita reflexão, o padre tomou a corajosa decisão. Em lugar de realizar a tradicional procissão do ‘Corpo Cristi’, deu início à Missa daquele dia de festa, e, após a leitura do Evangelho, convidou o povo da Missa para sair da Igreja, a fim de visitar o povo no cortiço. Era razoavelmente perto. Formou-se, de forma espontânea, uma bela procissão. Dentro daquele mundo subumano, o povo do cortiço ficava admirado com tanta visita irmã, enquanto o povo da Missa ficava entristecido, cabisbaixo, chocado e até revoltado ao perceber tanta miséria, pobreza, mau cheiro, tanta falta de respeito para com o ser humano. Muitos do povo da Missa passavam, diariamente, em frente àquele cortiço, mas nunca haviam procurado entrar, a fim de visitar aquele povo lá dentro. Pois bem, após uma meia hora, uma parte do povo do cortiço se juntava ao povo da Missa e juntos foram até a Igreja! Aquela Missa, tradicionalmente rezada, transformou-se numa verdadeira celebração eucarística, ou seja, Jesus, agora sim, se fazia presente em todo o esplendor do seu amor junto aos seus irmãos e suas irmãs.
Julgar (uma possível abordagem)
A tradição da nossa fé nos ensina que Jesus pronunciou, naquela Última Ceia, as seguintes palavras: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19). O que significa o “fazei isto”?
Para encontrarmos uma resposta, precisamos nos perguntar qual o significado da Eucaristia.
A palavra grega ‘eucaristia’ se refere à ‘ação de graças’. Trata-se do momento em que a comunidade dos que crêem na presença de Jesus na Eucaristia celebra o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Portanto, na celebração da Eucaristia se celebra a Nova Aliança estabelecida entre Deus e a humanidade por meio do sacramento do amor definitivo de Deus para conosco, expresso e vivido na morte e ressurreição de Jesus. Esta “Aliança”, este acordo, ou pacto, diz respeito à união firmada entre Deus e nós, nós e Deus, “aquele Deus verdadeiro que amou-nos primeiro sem dividição”, como canta Pedro Casaldáliga na voz de Milton Nascimento na abertura da “Missa dos Quilombos”.
O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, ao refletir sobre a vida dos sacramentos, nos alerta, dizendo que os sacramentos têm duas características inseparáveis: “Gabe und Aufgabe” (graça e tarefa, missão). A Eucaristia é uma ação de graças, ou seja, um momento em que vivemos a graça da presença de Deus em nossa vida, assim como a presença de cada um de nós na vida do(a) outro(a), em nossa vida comunitária. Mas este é apenas um lado do sacramento, como de todos os sacramentos, pois todos eles são graça em e para nossa vida. O outro lado do sacramento, porém, constitui uma tarefa, uma missão, uma maneira de ser e de estar no mundo, na qual a graça se concretiza. E esta maneira de ser é exatamente aquilo a que Jesus se refere quando diz “Fazei isto”: vocês também devem olhar o outro, interessar-se por ele, fazer com que o outro seja importante, isto é, vocês também devem doar-se uns aos outros. É esta a verdadeira partilha eucarística e é nela que Jesus e o Pai se fazem presentes em nossa vida e nós na vida dEles.
Consequentemente, Eucaristia é celebrar, renovar e viver intensamente a vida, tornar efetivo o gesto amoroso de Jesus pela prática das ações concretas de amor entre nós, porém, em especial para com os empobrecidos, os excluídos e rejeitados da nossa sociedade.
Agir (perguntas e uma alerta)
Conforme secular tradição, a Eucaristia é celebrada entre nós em forma de “Missa”. Longe de eu querer desvalidar ou desvalorizar a celebração da Missa. Porém, permitam-me observar o seguinte e fazer algumas perguntas. Todos nós temos assistido, e ainda assistimos, a Missas, durante as quais são cumpridos apenas cânones, seguidas regras e executados ritos, mas, muitas vezes, sem ligação com nossa vida, sem paixão com a Paixão de Cristo. É possível a Eucaristia ser celebrada apenas a partir do altar? O sacramento do amor de Deus para conosco pode ser “administrado”? Será que desta forma se concretiza alguma graça? A Nova Aliança, estabelecida por Jesus, ganha vida e se faz real? Num momento daqueles nós nos aproximamos do amor em Jesus Crucificado e Ressuscitado, e construímos uma sólida base para a vivência fraterna, comunitária e amorosa entre nós?
Considero ser necessário refletir sobre estas (e outras) questões acerca das nossas práticas eucarísticas.
Creio ser necessário ficarmos atentos para que a Eucaristia, o sacramento do amor definitivo de Deus para conosco, não suma debaixo de cânones, regras e ritos, tirando-lhe a sua essência: a vida compartilhada entre Deus e nós.
É bom sermos vigilantes, pois há um imenso abismo entre rezar a Missa e celebrar a Eucaristia. Se quisermos ser fiéis à Última Ceia, torna-se necessário de termos clareza sobre esta questão, a fim de sabermos fazer a opção correta.
Fortaleza, 30 de maio de 2013,
Geraldo Frencken
QUE PADRE SÁBIO!
ResponderExcluirOXALÁ EXISTA MAIS DELE, NESTA NOSSA IGREJA...
ASSIM SE PODERIA VIVER REALMENTE O VERDADEIRO CRISTIANISMO..
Querido Geraldo,
ResponderExcluirum texto maravilhoso: é isso o que significa encontrar Cristo no rosto dos marginalizados. Me fez lembrar do "pai nosso dos martirizados".
Um grande abraco para todos do Movimento, estamos acompanhando a caminhada a partir daqui, da Alemanha.
Miguel Becker
Maravilhosa lição. Vergonha para quem com orgulho no peito afirma ser Cristão e a sua coragem resumi-se em JULGAR ao irmão. Esquecendo que EUCARISTIA é o próprio IRMÃO(a).Rogo ao PAI grande iluminação ao PAPA FRANCISCO,para exirgir da IGREJA (FIEIS) uma maior aprofundamento sobre a REAL DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA.A mimpeço ao PAI uma conversão do dia a dia para um dia falar: Sou CRISTÃ. Obrigada Padre Sábio. Dayse
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