sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Velhos jovens, jovens velhos; sagrados ou profanos:


Velhos jovens, jovens velhos; sagrados ou profanos: implicações estéticas-religiosas na sociedade da eterna juventude


Fran de Oliveira Alavina
Doutorando em Filosofia na USP. Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela UFOP.

Agora que Francisco, o Papa, partiu para Roma, gostaria de considerar dois aspectos. Contudo, antes de qualquer coisa, devo afirmar que sei que as mídias virtuais exigem discursos curtos e sintéticos. Mas, por vezes, buscando-se a rápida comunicação se confunde o simples com o simplório. Poderia reproduzir aqui uma notícia, como fazem muitos daqueles que navegam no mar convidativo das mídias e redes sociais virtuais. Nelas a reprodução, quase infinita, de notícias e imagens, gesta uma “sensação democrática”, uma vez que a comunicação é feita de modo instantâneo, e aparentemente livre, sem censuras. Pode-se comentar, postar, curtir conforme o gosto e a seleção intelectual de cada um. Por isso, os que reproduzem notícias nas redes sociais o fazem de forma frenética, que por vezes me pergunto se o sonho deles não seria serem jornalistas. Se não passariam de jornalistas frustrados, “inconscientes” ou espontâneos. Porém esse frenesi é mais um fruto da já mencionada “sensação de democracia”. Democracia completa que para muitos só a realidade virtual poderia oferecer, assim o espaço social cede lugar ao espaço virtual. Nesse registro, não devo apenas me conceber como sujeito democrático, mas devo também me sentir desse modo. Mas tal só é possível, se os outros me sentirem, é quando os outros me sentem como tal que eu também me sinto, reconhecendo-se não a partir de si, mas dos outros. Reconhecimento que se dá no campo multissensorial, por isso o sentir é deslocado de si para os outros, de dentro pra fora, da experiência pessoal para aquela coisificada das sensações virtuais, onde pouco, ou quase nada importam as diferenças entre natural e artificial. Informando sempre tudo, a todos, mesmo que com o rápido esgotamento do frenesi da novidade. Comunicação rápida que vai de encontro à fruição do consumismo estético e estetizado dos "cults" de plantão. Mas, é preciso lembrar: deve-se ter "a paciência do conceito". Mesmo que isso possa parecer um pedantismo filosófico, é salutar não esquecer. Uma vez que, os "cults" de plantão, estão sempre prontos, embora não muito aptos, para emitir uma opinião, que em seus entendimentos é assaz douta e elaborada. Mas, parece-me, é tudo isso só em seus entendimentos. Contudo deixemos isso de lado, e voltemos ao que fora dito no começo. Alerto, porém trata-se de dois paradoxos, que
especulo que nem a mais viva imaginação dialética possa desfazer ou diluir, tamanha é a contradição.
1) A jornada mundial era da juventude. Porém, jovem era o Papa. Enquanto os jovens propriamente ditos, estavam contentes, eufóricos e imersos na histeria do espetáculo religioso. Tamanho era o fluxo das sensações, que não sem motivo se registrou um aumento relevante no número de frequentadores das principais boates gays da capital carioca, conforme foi verificado por uma jornalista de um grande jornal de São Paulo. Ora, isso ocorreu, pois era preciso externar toda uma excitação que opera no registro da falta de finalidade, tentativa de sentir de uma forma completa todo o frenesi midiático causado pela jornada, ainda que a vigília da última noite da JMJ se assemelhasse em muitos aspectos com uma “rave”. (Nesse ponto do texto, alguns dos leitores podem pensar serem descabidas e até “pecaminosas” as comparações, contudo elas são coerentes com uma nova forma de religiosidade que faz da fé um espetáculo. Para os movimentos religiosos estetizados de hoje, o único discurso compreensível é aquele que une fé e espetacularização, ritual litúrgico e show. Se assumem descaradamente, embora sem confessar, as formas mais profanas para comunicar o sagrado, devem aceitar a pertinência das comparações). Mas não poderia ser diferente, já que a maior parte deles, dos jovens, eram seguidores da Renovação Carismática. Portanto eram, em verdade, velhos, caducos, ultrapassados. O Papa velho era jovem, e os jovens eram velhos afetados por uma senilidade atroz. Daquelas que enxergam no passado, qualquer que seja a época, algo bom, embora nunca o tenha experimentado, posto que jovens. Ademais, como tais jovens vão se adequar ao discurso da "simplicidade" e "humildade", se são “carismáticos de carteirinha”? Ou seja, integrantes de um movimento religioso classe-média, caricatura de pequeno burguês, ufanista do status quo, eufórico e alienado. Pois, ao renderem-se ao formato que faz de tudo espetáculo, são o anúncio, parece-me quase que profético, do fim do senso do sagrado, e do senso de coletividade e crítica do presente, que a Religião ainda poderia portar, mas ao assumir a forma midiática da renovação carismática acaba perdendo. Que me desculpem meus colegas carismáticos, não estou pondo em dúvida a fé que vocês tanto se esforçam em demonstrar publicamente, ainda que de modo estetizado, onde o valor que impera é a beleza, mesmo que artificial. Mas vocês são, talvez, aquilo de mais danoso que a Religião pode gestar contra si mesma: a sua completa adequação ao status quo. Em vocês, após o anúncio “da morte de Deus”, vejo o começo do fim do senso do sagrado e do simbólico religioso. Degenerescência da religiosidade, que só um tempo vazio como
o nosso presente poderia gestar. Tempo de enfermidade das nossas capacidades coletivas de dotar de sentido a realidade social e a experiência pessoal, tempo de enfraquecimento dos liames sociais, época dos mais atrozes narcisismos. Uma sociedade doentia, com enfermidades nas suas formas mais elementares, que vive em função das próprias patologias que gera, não poderia gerar senão formas também doentias de religiosidade. Sociedade patológica, formas de religiosidades patológicas. Não há fármaco possível, para o doente que não quer se curar, mas, pelo contrário, alimenta-se de suas patologias: tal é a realidade atual.
2) Se de um lado assistia-se a histeria dos religiosos, das massas que participam dos espetáculos estetizados da fé, do outro assistia-se a histeria de ateus e outros movimentos, como aquele que chocou muitos com usos "performáticos" das imagens sacras, fazendo daquilo que é objeto de veneração, objeto de escárnio estético e político. Tais atos não me chocaram, tanto quanto se chocam alguns amigos e colegas, ao descobrirem que apesar de minha formação filosófica, rezo e vou à missa, e para maior espanto: faço promessas. Eles se chocam com isso, e depois muitos acabam por adotar o discurso ridicularizador. Mas, não me choquei tanto como eles, pelo uso “performático” das imagens. Contudo, espantei-me e fiquei chocado ao perceber que grupos tão distantes, compartilhavam da mesma histeria. Como poderia ocorrer tal semelhança? Pensei que a vinda do Papa atingisse só a histeria dos católicos, mas jamais imaginaria que Francisco, o Papa, também atiçaria a histeria dos laicos e ateus. Sempre se dizendo sóbrios ante o fanatismo religioso, amigos da Razão e do bom-senso, já que a Religião é o avesso da razão, a superstição completa. Assim, depois de espantar-me ao ver ateus e católicos compartilharem a mesma histeria, me dei conta, já desconfiava, que o discurso contra religioso é tão religioso quanto o objeto que combate. Por isso, vivemos o tempo de tantas “religiões”, pequenas seitas, mesmo que se diga não tratar-se de religião. Se a Religião assume as formas do discurso profano, o profano por sua vez assume as formas do discurso religioso. Por isso, há formas, modos e modelos próprios da Religião e do sagrado, em espaços laicos e “profanos”. Desse modo, há a "religião das letras", da “luz soberana da razão", bem como aquela "religião dos messianismos estéticos e artísticos", singularmente exemplificada nas chocantes instalações e intervenções artísticas da JMJ. Há também a "religião dos falsos e fáceis revolucionários", que como os jovens caducos da JMJ, querem reviver o passado que nunca experimentaram, mas que lhes foi contado de forma saudosista e utopista: o maio de 68 de seus pais e avós. A fim de também eles expressarem um "dogma", que embora dito por "revolucionários
laicos", não deixa de ser tão crível de fé, quanto aquele das religiões. Tal dogma se expressa, de modo resumido, na seguinte fórmula: "creio e afirmo que vivi um momento histórico". Ora, isso dirão quer os jovens da JMJ, quer aqueles que chocaram os de sensibilidade rasa e aflorada. Mas, não poderia ser diferente, dirão as mesmas palavras, expressarão os mesmo dogmas, pois são vítimas da mesma histeria. Forte histeria esta, pois contagia e se expressa em ateus e não ateus, jovens velhos e velhos jovens. No fundo, os que buscaram chocar são tão caducos quantos os jovens da JMJ. Pois, portadores de um discurso que tem sua gênese no "séculos das luzes", ultrapassado e tão antigo quanto a expressão “os homens são livres e iguais por natureza”, “a religião é fanatismo e obscurantismo, somente a luz da Razão é capaz de debelar as trevas criadas pela fé”. Assim, repetem os mesmos velhos argumentos contra a Religião, como se fossem dogmas atemporais. Porém, não reconhecem que tais argumentos não servem para barrar ou se contrapor ao retorno do teológico-político, que assumindo a forma estetizada, seduz a muitos, que cotidianamente e naturalmente já estão apáticos. Desse modo, jovens da JMJ e atores do choque e do escândalo, gozam da mesma histeria e senilidade. Aparentemente tão distantes, porém essencialmente tão próximos. Vocês tem cheiro de mofo, respiram dogmas, por isso se abraçam ao se afastarem. Só resta, pois, abrir a janela e deixar um ar novo entrar. Pode ser que desse modo, ao menos, o cheiro de mofo seja menor, uma vez que não pode ser completamente retirado.
 Por fim, desculpem se o texto é longo, mas é preciso não confundir o simples com o simplório.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

PADRE CASADO QUESTIONA IGREJA SOBRE CELIBATO

Decisões sempre causam sofrimentos. Afinal, são escolhas, sendo necessário deixar algo para trás. Geraldo Frencken, de 67 anos – “bem vividos”, como ele mesmo acrescenta –, mudou da água para o vinho, embora este último também já fizesse parte de sua vida sacerdotal. Deixou o exercício de padre para casar.
E, por mais inusitado que seja, não é raro ver casos parecidos pelo Brasil. O mesmo já aconteceu com outros sete mil sacerdotes que solicitaram no país a dispensa do sacramento da ordem em troca do matrimônio. O dado é do Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados. No Ceará, estima-se que mais de 100 padres tenham feito a mesma escolha.
O holandês Geraldo Frencken, que mora em Fortaleza, decidiu mudar de vida em 1999.Foi sacerdote durante 23 anos. Em Fortaleza, atuou na Paróquia São Pedro e São Paulo, responsável pelos bairros Jardim Iracema, Padre Andrade, Quintino Cunha e Olavo Oliveira.
Holandês Geraldo Frencken fez uma grande escolha na vida (FOTO: Arquivo pessoal)
Holandês Geraldo Frencken teve de fazer uma grande escolha na vida (FOTO: Arquivo pessoal)
A mudança, entretanto, veio acompanhada de outros fatores, além do desejo de construir uma vida a dois. Preferiu não dar continuidade ao sacerdócio, por divergir de algumas determinações da Igreja. O casamento acabou tornando-se consequência.
“É uma mistura de fatores. O celibato [viver sem se unir em matrimônio ou relacionamento] é um assunto que mexe com as pessoas. Eu estava em conflito com essa questão e com algumas maneiras de a Igreja se portar diante de várias causas ligadas ao mundo. Isso fez com que a minha continuidade no ministério ficasse complicada”, conta.
Celibato
São quase 900 anos (desde 1139, no Concílio de Latrão) de história em que padres não podem se casar. O tema ainda é tabu, considerado inaceitável e proibido na sociedade.
Casado há 14 anos com Claudete da Silva Morais, Frencken defende o celibato opcional. “A primeira missão de cada ser humano é ser fiel a si mesmo. Não faz sentido, e causa sofrimento inútil levar uma vida que não seja verdadeira. Devemos ser sinceros conosco, a fim de podermos construir relacionamentos com outras pessoas, baseados nos valores essenciais do evangelho e de qualquer convívio humano”, ensina.
Frencken, casado há 14 anos, defende o celibato opcional (FOTO: Arquivo pessoal)
Frencken, casado há 14 anos, defende o celibato opcional (FOTO: Arquivo pessoal)
Ainda de acordo com o padre, o celibato foi uma norma criada pelo homem e, justamente por causa disso, passível a mudanças. “Essa norma não vem do evangelho. Com o evangelho não se mexe. Mas, se a decisão foi definida por seres humanos, por que a Igreja continua com tanta dureza em relação a nós e não revê a sua posição?”, indaga.
A dureza a qual se refere mina o sonho de poder unir a vida matrimonial com aquela à qual também é apaixonado, na Igreja. As mudanças não trouxeram medo para Frencken. O sentimento, na verdade, foi um misto de alegria e sofrimento. “Cada escolha envolve perdas. Perdemos algumas coisas e ganhamos muitas outras. É um processo que não para. Você vai sofrendo, vai amando e vai acrescentando certas coisas na sua vida”, explica.
Preconceitos
Geraldo sofreu preconceitos devido à opção de se casar. Há certos setores dentro da Igreja que o olham com desprezo. “Começam a aparecer coisas tristes em razão das posturas de certas pessoas. Olham como se fôssemos bichos de sete cabeças. Nós temos menos problemas com a Igreja do que a Igreja tem conosco”.
O preconceito também se mostrou presente quando ensinava no Seminário da Prainha. De 2005 a 2009, ministrou aulas de Teologia Pastoral, Trindade e história da música. Foi demitido por ser padre casado. “Fui demitido pela direção da Arquidiocese de Fortaleza. Lamento até hoje, porque tinha bons relacionamentos. Nunca causei escândalos. Para mim, escandalosas são as pessoas que maltratam os pobres”, lamenta.
Trabalhos
Por parte da sociedade em geral, e da família, não há – e nem houve – problemas, como conta. Afinal, o [sempre] padre continua desempenhando papéis belíssimos e atuantes: dá assistência a comunidades carentes na capital cearense e é presidente do Movimento dos Padres Casados no Ceará (MPC).
“Somos muito bem aceitos pelo povo em geral. Nas comunidades, a gente conversa, estuda e faz encontro. Tudo numa boa. Eu e minha esposa pertencemos à Igreja e nos fazemos presentes em alguns lugares mais necessitados”, diz.
As experiências trazidas pela Igreja foram milhares, sempre lembradas com felicidade por ele. “Passei por experiências profundas nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Nelas, o povo faz a Igreja acontecer. A Igreja passa a ser do povo e não dos padres”.
Sempre padre
As boas recordações e os ensinamentos diários são os principais motivos de os padres casados não gostarem do termo “ex-padre”. Uma vez padre, sempre padre. “Prefiro ‘padre casado’. O sacerdócio não passa. Você não é diminuído por casar. É uma escolha. Creio que todo ser humano busca, durante toda a vida, sua identidade. É um belo, rico e contínuo processo”, finaliza.
Enquanto a Igreja vive o dilema, acompanhada por sacerdotes mais conservadores, os padres que se tornaram maridos comemoram a companhia feminina no dia-a-dia, que não deixou de ser santo. Lamentam, no entanto, não poderem vestir a batina com umaaliança no dedo anular da mão esquerda. E, subir ao altar, com a companheira, apenas para dizer um “sim” diante de outro padre.
 em Fortaleza | 21/08/2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

“ N e u r a s e u c a r í s t i c a s ”

      Carlo Tursi, - teólogo
                          
Em nome da verdade e do bom senso, é preciso admiti-lo: Clérigos e leigos católicos estão indo longe demais em sua ânsia – a princípio, justificada – de revalorizar a comunhão eucarística. Pior: Estão errando o alvo! A forma se sobrepõe ao conteúdo, o secundário assume o lugar do primordial, a obsessão substitui a serenidade. Senão, vejamos:
Testemunhei, durante missa em conhecida paróquia da capital cearense, um sacerdote jovem (sic!) instar os fiéis que (ainda) recebem a hóstia consagrada com a mão para verificarem se, após o consumo da partícula, eventuais migalhas da mesma não permaneciam grudadas na palma da sua mão: Seria preciso – assim o prelado – consumi-las uma por uma, já que até o menor farelo branco conteria o Cristo Eucarístico por inteiro! Fiquei estarrecido. Pensei: Onde foi que esse padre estudou Teologia? Quem teria ensinado a ele tamanho disparate? Mas o meu queixo caiu mesmo na hora em que uma moça passou por mim na fila da comunhão “catando” literalmente invisíveis restos eucarísticos da palma da mão dela, colocando-os na sua boca! Meu filho de 18 anos, também assistindo à cena, cochichou para mim: “Isso aí é neura, viu!”
No que pese a irreverência da expressão, tive que concordar com ele. Para começar: Se em cada migalha da hóstia (pozinho de farinha? molécula?) está contido o Cristo inteiro, quantos “Cristos inteiros” terá consumido a pessoa que comeu toda a partícula? Mais: Se Cristo não é parcelado, como “Ele” poderia “sobrar” após ter sido consumido? Na verdade, estes raciocínios – se é que raciocinar ainda possa ser considerado lícito para um católico... – só pretendem mostrar a que contradições absurdas conduz uma compreensão material, isto é, substancialista da presença real de Jesus no símbolo eucarístico. Por presumirem que a consagração das espécies sobre o altar possa produzir – como se fórmula mágica fosse – a sua transformação substancial, fazendo aparecer – no lugar do pão e do vinho – o corpo e o sangue de Jesus é que muitos fiéis desenvolveram, sob a orientação de clérigos ainda reféns da Contrarreforma, hábitos reverenciais obsessivos: não mastigar a hóstia na boca (será que o “corpo de Cristo” pode sentir dor?!), não comer nada em casa antes da missa (enquanto o apóstolo Paulo se sentiu à vontade para sugerir aos coríntios que comessem em casa antes de participar da ceia comunitária!), receber a hóstia em posição genuflexa e sobre a língua (ao contrário do que fez Jesus com os seus discípulos na Última Ceia!), guardar a partícula consagrada após o culto em receptáculos de ouro, adorando-a por horas seguidas (como se Jesus quisesse ser adorado como um objeto numinoso...). Foi o caráter compulsivo destas formas devocionais católicas e o agudo sentimento de culpa do devoto em caso de sua omissão que já levaram Sigmund Freud a compara-las às neuroses obsessivas...

É forçoso admiti-lo: Os defensores do dogma da transubstanciação alimentam nos fiéis uma consciência mágica própria da fase infantil, permitindo uma materialização grotesca, no imaginário católico popular, do mistério da fé. Em que consiste, no entanto, a experiência essencial desse mistério? Ora, conforme palavras do próprio Mestre trata-se de fazer isso “em memória” d’Ele, ou seja, comer o pão (de verdade!) e beber o vinho (de verdade!) para assim trazer presente, em meio à assembleia dos discípulos, o Seu espírito, a essência de Sua vida e mensagem que foi a autodoação, a auto-entrega, o compartilhar-se com os outros, o ser para os outros. É esta a verdadeira presença real – e onde este espírito não se fizer presente na mente dos fiéis, ali inexistem eucaristia, sacramento e comunhão com Jesus, por mais que alguém se arraste de joelhos pelo chão da igreja... Não são as formas reverenciais e a quantidade de incenso que revelam o sagrado! Não somos fetichistas que gozam só ao olhar o objeto de sua devoção! Não tem comunhão com Cristo quem não comunga com seu espírito, sua essência expressa no gesto do Lava-pés: Ao recebermos o símbolo eucarístico do corpo e do sangue de Jesus, estamos alimentando espiritualmente a nossa (sempre fraca) disposição para servir ao próximo, partilhar com os outros o que temos e nos comprometer com o melhoramento de uma sociedade tão desigual como é a nossa. Este é o autêntico mistério da fé: que o Cristo Espiritual que se oferece a nós em forma de alimento seja capaz de – ainda hoje – mover os nossos corações a se abrirem para os grandes desafios do nosso momento histórico, enchendo-nos de fé, esperança e amor para dar (e não para vender). Uma compreensão falsa da presença real, ao contrário, vê o Cristo materializado na substância da partícula, fala inapropriadamente em “milagre eucarístico” e espera da ingestão de Jesus, em primeiro lugar, benefícios para si próprio, sejam eles psicológicos (paz de espírito, ausência de conflito, esquecimento dos problemas reais) ou físicos (saúde, proteção contra a violência, prosperidade). O caráter ilusório, quase delirante dessas noções precisa ser trazido à luz – “para o nosso bem e de toda a Santa Igreja”.