O Movimento por uma Formação Cristã Libertadora surgiu em razão da insatisfação, compartilhada entre estudantes e docentes de teologia, catequistas e lideranças comunitárias, acerca do tipo de formação teológica catequética que se oferece ao Povo de Deus na Igreja de Fortaleza. O Movimento busca uma instrução Cristã Libertadora, engajada e solidária com os pobres.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
DOM HELDER SEMPRE SURPREENDE
Nesta sexta-feira, dia 7, Dom Helder Camara, se vivo fosse, completaria 105 anos. Por isso haverá lançamento de um livro sobre ele na Livraria Paulus, às 16:00, com o título: “ALÉM DAS IDÉIAS. Histórias de vida de Dom Helder Camara”, escrito pelo pernambucano Félix Filho, que teve longa convivência com o Dom. Vale a pena conferir!
Quero contar uma história sobre Dom Helder, do jeito que ele mesmo a relatou. Ela mostra como o Dom era um homem preocupado com a nossa consciência sobre a vida que vivemos e as atitudes que tomamos:
“Lembro-me de certa vez”, conta o Dom, “que me convidaram para a inauguração duma grande empresa. Era dia de intenso calor, mas os escritórios dos diretores tinham o conforto dos aparelhos de ar-condicionado. Os garçons passavam travessas e mais travessas com garrafas de uísque. Uma, duas, muitas vezes. Eu tomava apenas refrigerantes – não por virtude excessiva, pois até gosto de um pouco de vinho, o que não me causa qualquer problema de ordem moral –, porque o álcool parece não gostar de mim... Em dado momento, um dos convidados se aproxima de mim e, grosseiramente, me diz: ‘Ora, ora, Dom Hélder!! Como é que vai a sua demagogia? O senhor ainda tem coragem de dizer que vivemos cercados de fome e miséria aqui em Recife?’. Outras pessoas juntaram-se a nós, encorajadas por aquelas provocações e querendo prossegui-la. Eu respondi a todos, em alto e bom som: ‘Vejam só!! Eu estava tranquilo no meu canto, mas vocês preferiram provocar-me.’ [...] ‘Pois eu lhes garanto, que se sairmos todos nos belos carros que vocês têm, em poucos minutos eu os mergulharei num ambiente da mais terrível fome e miséria....’
Para surpresa minha, aceitaram o desafio. Em não mais do que dez minutos chegamos a uma sapucaia, um desses locais onde os serviços públicos despejam, e depois incineram, o lixo da cidade. Eu conhecia bem o local... Chamei um conhecido, que é funcionário da Prefeitura e por ali trabalha. Ele tem, a propósito, o apelido de Doutor Lixeira... Longa experiência lhe ensinou a
ver, no meio daquele lixo todo, o que é que ainda pode ser aproveitado como alimento. É ele quem estabelece a classificação: comida de primeira classe, que os funcionários da limpeza pública reservam para si mesmos; comida de segunda classe, boa ainda para as pessoas que nada têm do que viver e se alojam por ali, disputando o refugo com os urubus que ciscam como galinhas pretas; comida de terceira classe, que se coleta e guarda para vendê-la depois nas tendinhas de quarta ou quinta classe, onde qualquer coisa serve para encher a barriga daqueles que vivem encharcados de álcool...
O Doutor Lixeira explicou tudo isso, muito direitinho, às dezenas de chefes de empresa que me haviam acompanhado até ali. Tive a impressão de que marcara profundamente o meu ponto, ensinando-lhes uma dura lição ... Mas qual!! No dia seguinte, um deles me chamou ao telefone e diz: - ‘Dom Hélder, que sujeito formidável aquele Doutor Lixeira!! Ele tem muita iniciativa! Bem que poderíamos empregá-lo .... .’
Foi terrível!! Como estamos longe de ver o espírito do Bom Samaritano! ... Não basta socorrer as vítimas. É necessário atacar as causas dessa inaceitável infelicidade”.
Já dá para entender por que o saudoso Dom Helder Camara era chamado de comunista, inclusive por inúmeros colegas seus de episcopado?
(Texto produzido por Fernando Antônio Gonçalves, e publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, em 24 de janeiro de 2014)
Fortaleza, 5-2-2014
Geraldo Frencken geraldof73@yahoo.com.br
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