segunda-feira, 23 de abril de 2012

Todo dia é dia de Gente


E foi olhando pra esta foto, pensando em nossa sociedade centralizada no consumo e na produção, controlada por uns poucos e impregnada por valores falsos que transformam a vida num inferno.
Não se pode pensar em dia do indio , porque todo dia é dia do indio , é dia de gente...e indio é gente.
Lembrei então, de uma história, sobre o diálogo entre um ancião tupinambá com um oficial francês, onde ele questionava tantos esforços, riscos e sofrimentos dos europeus para levar aquela madeira pelo mar afora.
___Não há madeira lá pra vocês se aquecerem?
 O oficial esclareceu que não era pra queimar, mas fazer tinta.
___ E pra quê é preciso tanta tinta?
 O francês explicou que havia homens riquíssimos, que produziam mais tecidos, contas, espelhos e outras coisas em tamanha quantidade que o velho índio não poderia imaginar.
 E que um só comerciante riquíssimo desses poderia comprar vários navios cheios desta madeira ,o  Pau-Brasil.
 O índio não compreendia.
___Mas esse homem riquíssimo de que você fala... ele não morre?
 Morria, claro, como todos os outros.
___ E quando ele morre, o que se faz com o que ele juntou?
Fica para os descendentes dele, como herança, para que possam viver e estar garantidos.
 Então o índio balançou a cabeça, em reprovação, e afirmou que agora entendia que os europeus eram mesmo loucos. Se submeterem a tanto esforço, tanto risco, tanto sofrimento, a uma vida de sacrifício e dor, por um motivo daquele... não fazia sentido.
____Nós também temos parentes de quem gostamos, as crianças nascem e crescem e nós sabemos que a mesma terra que nos alimentou, também os alimentará. Então, vivemos a vida com gosto, sem nos preocupar com coisas inúteis como essa e sem precisar sofrer tanto sem necessidade.
E pensando assim , como nosso ancião tupinambá, veio-me à mente este poema de Alberto Caeiro,  o  mestre ingênuo  dos heterónimos de Fernando Pessoa.

Quando vier a Primavera,
se eu já estiver morto,
as flores florirão da mesma maneira
e as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
e a Primavera era depois de amanhã,
morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
e gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

 ( stella maris)

“Pedala Fortaleza”


1° Passeio ciclístico “Pedala Fortaleza” acontece no domingo (29)

No próximo domingo (29) acontecerá o 1° Pedala Fortaleza, um passeio ciclístico pela cidade. A concentração será a partir das 7h em frente à entrada principal do Estádio Presidente Vargas, no bairro Benfica.
O encontro, realizado pela Prefeitura, pretende reunir amadores, profissionais e interessados na atividade para fazer um percurso, com saída às 8h, que terá o Centro Histórico de Fortaleza como ambiente.
As inscrições estão abertas e podem ser feitas até o dia 28 de abril no Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA), na sede das Secretarias Regionais ou através do site: www.fortaleza.ce.gov.br. Os inscritos receberão camisa e protetor solar.
Serviço:
1° Pedala Fortaleza
Data: 29 de abril de 2012
Hora: Concentração às 7h, com saída às 8h
Local: Estádio Presidente Vargas (Rua Marechal Deodoro, s/n)



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Pe. José Batista Libânio em Fortaleza


 Pe. José Batista Libânio estará em  Fortaleza, no mês de junho
 As palestras são gratuitos, mas com vagas limitadas.
 Seria uma excelente oportunidade de fazer contato com Libânio, enquanto Movimento FCL, além dos temas trabalhados por ele serem palpitantes onde nossa intervenção poderia desencadear uma bom debate.
 
Programação:
 
Dia 13 de junho:       Palestra:  Qual o futuro do Cristianismo?
                                 Local:      Colégio Santo Inácio
                                 Hora:        19:30 h
                                 Inscrições gratuitas:   3252-4201
 
Dia 14 de junho:       Bate-papo:   As linguagens sobre Jesus e outras questões
                                 Local:          Auditório da livraria Paulua
                                 Hora:           9:00 h
                                 Inscrições gratuitas:   3252-4201
                                   
                                 Palestra:      O perfil do jovem pós-moderno (O aluno que temos e o aluno que queremos)
                                 Local:           Colégio Santo Inácio
                                 Hora:           19:30 h
                                 Inscrições gratuitas:     3252-4201
 
Minha proposta é que liguemos individualmente para reservar cedo nossas vagas. Assim garantimos boa presença. Até lá talvez o MFCL tenha já sua logomarca pronta...
Abraço,
Carlo Tursi

sábado, 7 de abril de 2012

Feliz Páscoa!

Quero compartilhar com as  (os) companheiras (os) deste Movimento uma canção belíssima, que sempre me deixa comovida ,na voz do nosso Fagner, em dueto com o cantor Joan Manuel Serrat 

Talvez porque, desde ainda pequenina , sempre me incomodou a opulência do catolicismo oficial -- aquele dos altares, das procissões, da Inquisição e das  Redentoras.

Com o tempo aprendi que não era esse o verdadeiro legado de Jesus Cristo, mas sim uma mensagem de esperança para  pobres,  humildes,  fracas (os), desprotegidas (os),  injustiçadas(os) e  excluídas (os).
 

Comparando o calvário longínquo de Jesus ao calvário permanente das (os) excluidas(os)

Eis a interpretação mais empolgante que encontrei  a letra completa de La Saeta:


La Saeta
Disse uma voz popular
Quem me empresta uma escada
Para subir ao altar
Para tirar os cravos
De jesus, o nazareno
Oh! la saeta el cantar
Al cristo de los gitanos
Siempre con sangre en las manos
Siempre por desenclavar
Cantar del pueblo andaluz
Que todas las primaveras
Anda pediendo escaleras
Para subir a la cruz
Cantar de la tierra mia
Que hecha flores
As jesus de la agonia
Que es la fie mis mayores
Oh! no eres tu mi cantar
No puedo cantar ni quiero
A esse jesus del madero
Sino al que anduvo en la mar


(stella maris)





sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Páscoa e a Menina Morta - Quem se importa?

“Se nos calarmos, até as pedras gritarão”, 

 (foto da net)


  Esta morte, nos provoca uma profunda reflexão e uma mudança de atitude diante da vida. Cristo continua morrendo e nossas mãos estão sujas de sangue.
a noticia da morte de uma criança de 11 anos, do sexo feminino, brutalmente violentada, estuprada e assassinada no parque ecológico da timbaúbas, em Juazeiro. As circunstâncias nas quais a menina foi encontrada são terríveis, e os motivos do crime, pelo que se comenta, envolve uma teia de negociações hediondas.




 1. Os personagens dessa terrível história estão inseridos no contexto de uma comunidade violenta, no sentido mais amplo da palavra, largados à própria sorte, desassistidos de politicas públicas (e aqui falo de politicas publicas eficazes, que venham atender às demandas sociais. Postos de saúde e escolas sem qualidade de educação não podem se encaixar nessa configuracão, pois sabemos que representam muito mais a inoperância e a ineficácia do poder publico frente aos problemas sociais);


 2. O índice de natalidade nessa comunidade é altíssimo: é comum meninas de 15 anos já serem mães, e já estarem grávidas novamente;


 3. Essas crianças crescem absorvendo toda a falta de estrutura da família e da comunidade em seu entorno, presenciando, muitas vezes, situações de extrema violência familiar;


 4. Que futuro nos aguarda diante desse quadro, no qual estamos tod@s inserid@s?

 5. Por meio das nossas ações, ou pela falta delas, produzimos diariamente a miséria social. Extratificamos as populações por níveis de renda, segregamos as populações de baixa renda e delas são subtraídos os direitos que lhe são legítimos, e assim contribuímos para a producão de comunidades violentas, com baixíssimos índices de desenvolvimento humano e altíssimos índices de exclusão;



 6. A miséria social é uma questão de ética, ou da falta dela;


 7. Assim como não cuidamos da natureza, também não cuidamos das pessoas, e assim como a natureza se revolta e traz à cena catástrofes ambientais, a revolta do social também provoca terríveis catástrofes, como essa que aconteceu agora em Juazeiro;


 8. Se não quisermos nos transformar em mais uma megalópole caótica, constituída pelos centros urbanos CRA-JU-BAR, precisamos começar a tomar providências urgentes. A primeira delas é sabermos que estamos em processo de desenvolvimento e que essa é a hora de planejarmos esse desenvolvimento. Participarmos da vida política da região de forma mais atuante, dizendo não aos "ratos" e "urubus" pode ser um bom começo;


 9. Assistir passivamente à desgraça social é, no minimo, uma atitude de egoismo e individualismo;


 10. Pedir a Deus que ele abençoe à nossa família é uma atitude muito cômoda, simplesmente porque é muito fácil ser abençoado quando se tem condições financeiras de erguer abrigos anti-nucleares para proteger os seus nessa guerra de classes;


 11. Não há desenvolvimento sem equidade social, liberdade de escolha, politicas publicas integradas e abrangentes, ética social. Crescimento econômico sem crescimento das oportunidades sociais, sem o devido atendimento às demandas sociais, sem considerar as demais dimensões do processo social , não é desenvolvimento, e sim o fermento do grande bolo do caos;


 12. As comunidades desassistidas são problemas nossos...nós contribuimos para as suas existências, e não é com ações assistencialistas e clientelistas que podemos ajuda-las. Precisamos pensar maneiras de exercer a nossa cidadania de forma realmente comprometida. Cada um de nós é sujeito politico, atuante no processo...


 13. A morte dessa menina é um problema nosso...

Mano Granjeiro
 ( Juazeiro do Norte-CE)

 

COLÓQUIO TEOLÓGICO EM CAMOCIM



O Movimento da Formação Cristã Libertadora em missão pelo Estado do Ceará!
O pároco (e vigário geral da diocese de Tianguá) Pe. Evaldo abriu e fechou o evento, acolhendo toda a controvérsia como um serviço ao esclarecimento do Povo de Deus.
Melhor impossível. Parabéns para o companheiro Jardel e sua equipe da Pastoral Social!

 

terça-feira, 3 de abril de 2012

O perfume derramado das feministas - Nancy Cardoso

Com certeza o cheiro do  bálsamo entrou na casa antes que a mulher. Vinha com ela pelo caminho para casa de Simão, o leproso. Mais do que o cheiro, a intenção.  Mais do que o frasco, o jeito. Mais do que o perfume, o sentido.     
Ensaiava os gestos sabendo que teria de improvisar. Sabia o que queria...por isso, o perfume. Sabia que não podia. Não havia sido convidada. Não era esperada...por isso, a surpresa, o inesperado. Mas Jesus estava lá, por isso se atrevia.
"...aproximou-se dele uma mulher, trazendo um vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe derramou sobre a cabeça, estando ele à mesa." (Mateus 26,7)
O cheiro é inevitável. Escorre pela cabeça, respinga na mesa e na roupa do discípulo ao lado. A casa toda cheira a bálsamo. Impossível não sentir. Enebriada  pelo perfume a memória já não sabe dizer se foi a cabeça (Mt 26; Mc 14) ou os pés (Jo 12)...o corpo todo! Mas houve a mulher e o perfume.
Uns dizem que a mulher fez mais: enxugou os pés de Jesus com o cabelo (Jo 12). Ela esteve lá. Ela toda: perfumada e descabelada.
A casa cheirava e os homens se irritavam.
"Vendo isto, indignaram-se os discípulos e disseram: Para que este desperdício? Pois este perfume podia ser vendido pôr muito dinheiro e dar-se aos pobres." (Mateus 26, 8 e 9)
Era páscoa. A situação de Jesus era de fragilidade diante dos principais sacerdotes e os anciãos do povo que já tramavam sua morte (Mateus 26,3).
 O sentimento da inevitabilidade do confronto rondava a cabeça e as emoções dos discípulos. Era páscoa e as prioridades estavam claras, os compromissos haviam sido feitos...até que aquela mulher e seu cheiro entraram pela casa a dentro.
A avaliação dos discípulos pode ser organizada na exclamação:
Que desperdício!
 Bonito, mas fora de hora. Interessante, mas desnecessário. Significativo, mas não prioritário. Intrigante, mas inútil. Marcante, mas secundário.          
Era páscoa. O confronto estava colocado e era preciso ser objetivo e eficiente.
Vende-se o perfume pôr muito dinheiro que poderia ser dado aos pobres. Este é o eixo. Esta a prioridade. Tudo mais é desperdício!
Mas o perfume derramado já não pode mais ser guardado no frasco.
Era páscoa e todo o corpo de Jesus cheira a bálsamo precioso. E é bom.  O perfume. O cabelo. A mulher. É páscoa. O confronto...os pobres estão aí, sempre. E daí? Mas é o perfume que  qualifica o gesto da mulher no corpo de Jesus e pronuncia nomes ainda não ditos para a experiência de Deus que não se esgota em discurso formal algum, mesmo que seja o que se auto-proclama pelos pobres.
"Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo." (Mateus 26,10)
O perfume era o sinal da cumplicidade entre Jesus e a mulher.
 Cúmplices de um messianismo que tem sua mediação no corpo perfumado e prazeiroso. Ressurreição. As prioridades funcionais que orientam a análise e a reflexão dos discípulos não sabem o que é isso. Aprisionados na generalidade do discurso sobre o pobre, para  pobre, não podiam perceber no gesto da mulher o tanto de afirmação política e teológica.
"...derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento." (Mateus 26,12)
Na memória de João 12,1 a 8  as prioridades dos discípulos são desmascaradas no comentário que sugere o desvio de recursos destinados aos pobres pôr parte de Judas.
 O texto de Mateus 26 e Marcos 14 também articulam o relato da traição de Judas a este episódio localizando assim conflitos internos ao movimento de Jesus.
A leitura dos discípulos sobre o messianismo de Jesus não é unânime.
O gesto da mulher pode ser entendido como expressão  de uma parte do movimento de Jesus que  formulava o messianismo de modo distinto e específico daquele que comumente entendemos como oficial e que tem suas contradições apresentadas nos relatos da morte de Jesus.
Da mulher e seu gesto Jesus diz que ;
"Onde for pregado em todo o mundo este evangelho será também contado o que ela fez, para memória sua." (Mateus 26,13)
Para memória sua. Para memória sua.
O cheiro do perfume derramado atravessa o tempo e continua exigindo leitura, sentido...revelação.
Pra quem se faz aprendiz das teologias do continente latino-americano, pra quem se faz mulher e teóloga gerada e crescida nas lutas dos movimentos de libertação o gesto de invadir a casa aonde se reúnem os homens e derramar o perfume traduz bem o tanto de desafio e tarefa que vem sendo feito e ainda se tem pra fazer.
Nós também não fomos convidas, nem éramos esperadas neste momento de páscoa-confronto no qual a Teologia da Libertação se fez e se vai fazendo.
Prioridades elencadas, lutas fundamentais identificadas, preferências assumidas, agentes sociais privilegiados alimentam o esforço dos teólogos que se sentam à mesa do continente-leproso.
 E já é muito que estejam sentados nesta mesa.
Aí, entra a mulher e derrama seu perfume.
Desperdício! gritam os senhores teólogos ciosos de suas prioridades.
A mediação é o pobre! insistem entre irritados e indiferentes sugerindo que o que chamamos de teologia feminista poderia ser de alguma forma revertido na direção  hermeneuticamente e politicamente adequada. Tratam de fazer do cheiro que exalamos um tema a mais, entre outros que se subordinam e se ajustam aos parâmetros da mediação do pobre.
Mais do que o gesto, a intenção.  Mais do que o frasco, o corpo. Mais do que o perfume, o sentido.
Mais o que é as teologias feministas vem derramando e com o que vêm  impregnando a casa, a igreja, as editoras, os institutos, as bibliotecas, os seminários, as gavetas, as assembléias e os concílios? Por que é que ouvimos tantas vezes que a teologia que fazemos é desperdício! ?
1-   Nos recusamos a continuar pensando o sagrado a partir dos parâmetros patriarcais e mais que isso, denunciamos a teologia feita até aqui como idolátrica uma vez que incorpora o macho e seus atributos como extensão do divino.
Cheiramos a teologias que já não precisam de fundamentos mas que na exposição de suas motivações revelam o sagrado, com os muitos nomes que Deus pode ter.
 A Teologia da Libertação ainda não denunciou o que nela mesma é patriarcalismo e fetichismo do macho: nem a nível metodológico nem nos desdobramentos eclesiológicos que ainda asseguram o privilégio masculino ao saber e administração do sagrado.
Continua o desafio de construção e apropriação de novos instrumentais teóricos, em especial a investigação e reflexão teológica que se utilize das categorias de gênero. 
2-   Nossas teologias têm cheiro de corpo. Já foi feito o caminho de construir a teologia a partir da realidade e seus conflitos, fazendo-o de modo comprometido na preferência pelos pobres.
 As teologias feministas insistem que a mediação sócio-analítica não pode se esgotar no "pobre" como generalidade e insiste em apontar o corpo como ponto de mediação hermenêutica.
 O corpo cheira, é contextualizado, datado, situado. Mais que isto, o corpo é sexuado. Raça e gênero não são portanto mero apetrecho decorativo da reflexão mas, na interação com o corte sócio-econômico circunscrevem as condições objetivas e subjetivas aonde a interpretação e a formulação do discurso e prática do sagrado acontecem.
 A questão da mulher não é questão. Nem é tema específico. Não é uma dimensão, nem uma particularidade.
As teologia feministas não pretendem o todo, o universo sistêmico da teologia porque isto já não existe mais. Neste sentido cheiramos a ecumenismo, um que se esparrama para além das formalidades intra-eclesiais e se escracha no diálogo-embalo inter-religioso.
 As teologias feministas têm a oferecer a possibilidade da convivência e da inculturação com as matrizes religiosas afro-indígenas do continente porque se assumem na pluralidade e na autonomia com as hierarquias.
3-   Queremos que a casa cheire: a de Simão, a casa do povo e a casa dos teólogos e teólogas também. A Teologia da Libertação não sabe ficar em casa. 
Daí que a casa continua sendo espaço vazio de dignidade e o cotidiano despossuído de beleza ou valor. As relações homem-mulher, adulto-criança não contam. A economia da casa, a reprodução e o trabalho doméstico não interferem nas análises sócio-econômicas que sustentam toda reflexão teológica libertadora. Daí que continuamos a não ter o que dizer e a conviver com a miséria emocional e sexual de nossos povos. E a nossa.
4-   As teologias feministas querem mais. Cheiramos o orgasmo como dinâmica prazeirosa que dignifica a pessoa, as relações, a família e a casa. Fazemos teologia pôr prazer, porque é bom, porque liberta e dignifica a vida. Por isso nos ocuparmos da discussão sobre culpa e prazer, sexo e poder, sexualidade e política, produção e reprodução.
 Isto tudo cheira  demais e quase sempre o grito de desperdício! é mais forte do que as tentativas e alternativas que vamos tecendo.
5-   Cheiramos das muitas jornadas de trabalho que compartilhamos com as mulheres do continente. Privilegiadas pelo acesso ao estudo e à vida acadêmica, convivemos em situações familiares e esquemas de vida religiosa opressoras.
 Vivemos num continente que respira e convive com a miséria cotidianamente. Entre nós a pobreza tem sexo: são as mulheres e as crianças do continente que sofrem de modo mais imediato e direto com as crises econômicas e políticas que arrastam o continente latino-americano pôr 5 séculos.
Convivemos com números absurdos de violência doméstica contra as mulheres sem contar com mecanismos institucionais - policiais e jurídicos - de proteção. Convivemos com o trabalho mal remunerado de milhões de trabalhadores, em especial de mulheres, e um movimento sindical que continua privilegiando as questões masculinas e sendo liderados pôr homens que não se dão conta das formas específicas de exploração das mulheres tanto no trabalho das fábricas como no campo. Convivemos com esquemas de sexo-turismo e prostituição infanto-juvenil que perpetuam esquemas perversos de abuso e violentação sexual.
Convivemos com altas taxas de mortalidade de mulheres no período de gestação, parto e pós-parto o que revela a total inexistência de políticas públicas de saúde da mulher.
 É o cheiro dessas mulheres que queremos em nossa teologia e não o cheiro de uma mulher ideal que alguns teólogos insistem em continuar exalando quando tratam da mulher como tema, item, questão adjetiva e não substantiva da política e da teologia.
6-   Temos cheiro de mãe. Mas já não queremos vestir as vestes apertadas e incômodas da maternidade despossuída de dignidade.
Entre estas vestes que cheiram a mofo está todo o discurso religioso que mistifica e idealiza a maternidade, em especial no aprisionamento de Maria, mãe de Jesus. Enclausurada numa virgindade absurda e desnecessária Maria, passa a assumir no discurso da Teologia o papel da mãe que tudo sofre, tudo crê, tudo suporta pelo amor dos filhos e do povo na afirmação de um novo tipo de virgindade: a sócio-política. Recauchuta-se os dogmas e Maria e todas nós continuamos a ser depósitos virtuosos e militantes da causa do Reino e do povo.
 Queremos derramar o perfume do corpo sexuado de Maria e de todas nós, tomando o discurso sobre a maternidade, virgindade, concepção e fecundidade em nossas mãos, em nosso ventre, em nosso sexo. Queremos continuar a engravidar só de ouvir as canções que o sagrado sopra sobre nós.
 Mas inteiras. Virgens ou não.
7-   Mães ou não. Aceitamos o diálogo com outras mulheres, cristãs ou não, que se colocam o desafio de pensar sobre direitos reprodutivos, inclusive o aborto.
 Conversamos também com as milhares de mulheres que morrem todos os anos em abortos clandestinos desesperados e malfeitos.
Nos recusamos a conversar com o clero e senhores da lei e da moral incapazes de fazer da experiência do corpo matéria teológica. Esta conversa tem de ter cheiro de mulher. Ninguém quer o aborto. Mas ele existe e precisa ser descriminalizado para que a conversa aconteça de modo libertador.
Precisa ser legalizado para que o sacrifício sistemático de mulheres pobres acabe.
 A Teologia da Libertação tem afirmado o primado da vida como critério regulador das questões morais e éticas. Vamos juntas... mas queremos mais. Não existe a vida como um valor em si mesmo, fora dos limites e determinantes sócio-culturais. Afirmamos a vida em sua concretude, é dizer suas contradições e feixe de relações.
 Daí que a ética deixa de ser a defesa de absolutos pra ser o discernimento do que é justo e belo nas particularidades.
8-   Nossa teologia tem cheiro de criança. E que cheiros uma criança tem! São tantos e todos e nenhum deles perpassa a teologia. Nenhuma delas...nem a da Libertação. As crianças empobrecidas aparecem como tema, como exemplo de situação de opressão e sacrifício mas não são afirmadas como agente eclesial e social ativos. Merecem as ações libertadoras dos adultos mas não são entendidas como parte ativa e presença profética no meio da comunidade de fé. 
9-Também nos gritam desperdício! quando derramamos a exigência de democratização e socialização dos sacramentos e ordens.
 Até mesmo entre as teólogas existe as que fazem coro dizendo que a luta pela ordenação feminina não é prioritária. Correto: nossa prioridade não é o púlpito ou o poder de administrar o sacramento.
Mas não dá pra conviver com formas de organização da vida eclesial que continuam a proibir o acesso de mulheres a esta ou aquela instância da vida interna da comunidade cristã.
 A luta pela ordenação feminina não se esgota no acesso à ordem e aos sacramentos mas se articula com um processo mais amplo de avaliação e na busca de novas formas de ser igreja.
Qualquer discussão sobre poder e carisma que não aponte para o acesso inclusivo ao ministério joga água no moinho da discriminação nas igrejas e na sociedade.
10-E cheiramos a Bíblia. Lemos a Bíblia não mais com os olhos da tradição ou da ciência, mas desconfiando das duas permitimos que o nosso faro nos aponte as possibilidades de leitura da memória do povo de Deus que não reforce os mecanismos eclesiais e sociais de opressão da mulher.
 Cheiramos mulheres pôr toda a Bíblia. Até mesmo aonde elas não estão. Cheiramos a palavra de Deus no texto e na vida cientes de que a revelação está nessa dinâmica de leitura e construção de sentido. Nos aproximamos  do texto perguntando pelo contexto.
 Usamos o instrumental científico disponível no trato com as línguas e as culturas que sustentam o texto. Mas não abrimos mão de cheirar o texto, de suspeitar dele e até mesmo de recusá-lo se nos cheira mal. Recriamos o texto não nele mesmo mas ao recitá-lo o reinventamos a partir de nós mesmas que somos donas do nosso nariz.
Nancy Cardoso é pastora metodista, com formação específica na área de Bíblia