quarta-feira, 18 de setembro de 2013

PAULO FREIRE E 50 ANOS DE ANGICOS


Angicos é uma pequenina cidade no interior do Rio Grande do Norte. Há 50 anos, portanto em 1963, o pedagogo e educador Paulo Freire alfabetizou 300 cortadores de cana em apenas 45 dias naquela cidade pobre. João Goulart, presidente na época, chamou Paulo Freire para organizar uma ‘Campanha Nacional de Alfabetização’, que tinha como objetivo alfabetizar dois milhões de pessoas e já contava com a participação da comunidade.
Mas, com o golpe militar de março de 1964, isto é, com a ditadura que esmagou a liberdade no Brasil por mais de dois decênios, toda essa mobilização social foi reprimida, Paulo Freire foi considerado subversivo, preso e depois exilado. Assim, esse projeto foi abortado.
Porque? Por motivos óbvios. Paulo Freire pretendia despertar o ser político que deve ser sujeito de direito. Um exemplo. A palavra ‘tijolo’ fez parte do universo vocabular trabalhado em Angicos.
Era uma palavra que fazia parte do cotidiano das pessoas que participaram da experiência de Angicos. Mas aquela alfabetização não consistia em somente ensinar a escrever a palavra ‘tijolo’. Fazia-se todo um trabalho a partir daquela palavra, colocando-a no seu amplo sentido social, econômico e político. A partir da palavra ‘tijolo’ eram levantados questionamentos, como: você trabalha na construção de casas, mas você tem uma casa própria? Por que não a tem? Etc. Quer dizer, tratava-se de uma alfabetização que levava as pessoas a pensarem nessas questões, fazendo delas cidadãos e cidadãs participativos na sociedade.
Com outras palavras: Paulo Freire não queria alfabetizar as pessoas somente para aprenderem a ler e escrever, e basta. Ele desenvolveu sua filosofia e a consequente método de alfabetização, para que as pessoas redescobrissem sua capacidade de pensar e, desta forma, se conscientizassem acerca de sua vida, sabendo-se sujeitos de sua própria história, ou seja, construtores da dignidade de sua vida.
Paulo Freire sabia, e hoje nós sabemos através dele, que este processo somente dará resultado, se cultura, costumes, a vida em geral das pessoas sejam respeitados, e mais ainda, se a relação entre ‘professor’ e ‘aluno’ não seja uma de superior para inferior: é preciso saber escutar o que o outro tem a dizer, porque todos temos experiências de vida, entendimentos sobre a vida que têm valor e podem ajudar a outros aprenderem a viver mais e melhor.
Todos somos aprendizes. Com outras palavras, filosofia e método de Paulo Freire nos ensinam, entre outras aprendizagens, como construirmos relacionamentos humanos entre nós, implantando um mundo melhor. E esse processo há de se realizar em comunidade.
Interessante observar é como naquele tempo a Igreja estava profundamente Interessante observar é como naquele tempo a Igreja estava profundamente envolvida nesses trabalhos que visavam verdadeira promoção humana. Dom José Vicente Távora, arcebispo de Aracajú, por exemplo, muito se empenhou na divulgação e aplicação do método e filosofia de Paulo Freire, vendo neles um caminho aberto para a construção de “vida em abundância” do povo, em especial dos mais pobres.
 Mais tarde, Dom Helder Camara, que dizia que “O povo do Nordeste é pobre, mas sabe pensar!”, dedicava toda uma vida à formação do povo, a fim de que este fosse respeitado e estimulado ele mesmo fazer parte do processo de humanização da vida. Aqui, em Fortaleza, mencionamos Dom Aloísio Lorscheider, que em seu pastoreio preocupava com esta maneira da Igreja ser: uma Igreja não tanto preocupada com estruturas, ritos e regras e sim com as pessoas, concretizando nelas e por elas o Reino de Deus, reino de justiça, paz e amor.
Faltam só duas perguntas básicas:
Será que aqueles que hoje se colocaram na frente da educação no nosso município e estado poderiam aprender alguma coisa de Paulo Freire? Caso sim, vão ter que aprender a escutar o povo e revestir-se de um pouco de humildade. Aí complicou!
Será que a nossa Igreja poderá retomar os caminhos nos ensinados por Dom José Vicente, Dom Helder, Dom Aloísio e tantos outros, reassumindo seu papel profético de promover, no mais amplo sentido da palavra, o ser humano, de denunciar todas as formas de violação de vida humana, anunciando o amor de Deus por nós, testemunhando a simplicidade evangélica na prática da vida? Salve engano, Papa Francisco está sonhando com isso.
O homem de Nazaré também!
Fortaleza, 18-09-2013,
Geraldo Frencken

Nenhum comentário:

Postar um comentário