domingo, 22 de dezembro de 2013

SUMIRAM OS PASTORES ( NATAL II)






Foi na cidade do Recife, na passagem do século XX para XXI, que observei, pela primeira vez, algo estranho no meu entendimento sobre o Natal. Havia, em diversos bairros, belos enfeites natalinos, como também montagens de vistosos presépios, feitos - diga-se de passagem - com bom gosto. Porém, algo faltava neles: em presépio algum havia figuras que representassem os pastores. Somente Jesus, Maria, José, o anjo, alguns animais e, bem evidenciados, os três “reis magos”, cuja magia ganhava destaque pelo tamanho dos presentes a serem doados a um bebê, volumoso e rosado, “imagem” do Menino Jesus.

De lá para cá observo presépios por toda parte, nos quais os pastores, lamentavelmente, continuam a ser excluídos: presépios nas praças, nos shoppings, em outros estabelecimentos comerciais, em halls de prédios, em consultórios médicos, e etc. sem pastores, enquanto os “reis magos”, com sua “magia das ofertas”, se sobrepõem, de forma soberana, sobre aquelas figuras que “representam” Jesus,Maria, José.

O que significa a não presença dos pastores em nossos presépios?

Em primeiro lugar, o destaque dado aos “reis magos”, e a exclusão dos pastores dos presépios são sinais da mercantilização do Natal: importa é gastar dinheiro, e, de preferência, todo o seu 13º, em compras de presentes, que, na maioria das vezes, os consumidores continuam a pagar durante todo o ano de 2014.

Em segundo lugar, a exclusão dos pastores dos presépios é um retrato fiel da realidade da nossa sociedade. Como os pastores, os pobres daquela época, são excluídos dos presépios chiques, assim os pobres de hoje continuam a ser excluídos. É a afirmação daquilo que vivemos na nossa sociedade: a contínua e escandalosa separação abismal entre alguns poucos ricos e a massificação dos pobres.

Em terceiro lugar, a exclusão dos pastores dos presépios públicos retrata que o mais profundo sentido do Natal acaba de ser deformado, descaracterizado e corrompido.
 Havemos de nos interrogar, constantemente qual o significado fundamental do Natal de Jesus. Como entender Jesus?

O espaço que temos no nosso contexto é reduzido demais para aprofundar este questionamento a contento, mas gostaria de chamar atenção apenas por um aspecto.

Tanto Deus Pai como Jesus podem ser entendidos, somente, a partir do mundo dos pobres. Pois Deus se apresenta e Jesus se revela no mundo dos pequenos e dos excluídos. Impressiona quais pessoas, no mundo bíblico, são escolhidas por Deus para se tornarem sua voz: Abraão, Jacó, José e Moisés, Isaías, Oséias e Amós, Isabel, Maria e José, os pastores, os aflitos e os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os insultados e perseguidos, Pedro, Marcus, Lucas e João, Barnabé e Silas, Priscila e Áquila. Todas estas pessoas simples, do meio do povo, aquela gente que se dispunha a ouvir, compreender e testemunhar uma nova proposta de vida, isto é, a proposta do Reino de Deus. E não é diferente, após os tempos bíblicos, no decorrer da história que se segue até aos nossos tempos: Teresinha do Menino Jesus, Francisco, Antônio, Vicente de Paulo, Tereza de Calcutá, Helder Camara, Martin Luther King, Mandela, Chico Mendes, Margarida Alves, Dorothy, Dulce, Oscar Romero, Dalai Lama, e assim por diante: todos homens e mulheres que, por viverem a humildade, a simplicidade e manifestarem a verdade, criavam condições favoráveis para que Deus pudesse revelar-se ao mundo e Jesus aparecesse por meio do testemunho deles e delas. Deus sempre escolhe “os misericordiosos e os puros de coração” (confere Mateus 5, 1-12), pois “o espírito do Senhor pousará sempre sobre eles e eles promoverão a paz, e por meio deles será proclamada a libertação aos presos, a recuperação da vista aos cegos, a libertação aos oprimidos e, um dia, será proclamado o ano de graça do Senhor: são estes os sinais do anúncio da Boa Nova aos pobres” (confere Lucas 4, 18-19).

Portanto, não podemos excluir os pastores dos nossos presépios, pois ao fazermos isso, tiramos os prediletos de Jesus de perto dele e mostramos que, embora professemos que Ele é o “Deus conosco”, “nós não O conhecemos e nós O desprezamos”, porque quem despreza os pobres, despreza Jesus, despreza Deus (confere Mateus 25, 41-46).

Fortaleza, 19 de dezembro de 2013,
Geraldo Frencken
geraldof73@yahoo.com.br

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