quinta-feira, 30 de maio de 2013

A VIDA E A FESTA DE CORPUS CHRISTI


 

Ver (uma história verdadeira)
Há muitos anos, um padre, lá pelas bandas da Amazônia, encontrava-se diante de um dilema: como celebrar a festa de Corpo de Cristo com a bela procissão, segurando o Cristo Sacramentado, andando por caminhos, cobertos de belas e cheirosas flores em forma de tapetes bem desenhados, enquanto aquela procissão havia de passar, necessariamente, em frente aos cortiços sujos, malcheirosos, nos quais muita gente “vivia” empilhada? Tamanha contradição e, pior, incoerência! Após muita reflexão, o padre tomou a corajosa decisão. Em lugar de realizar a tradicional procissão do ‘Corpo Cristi’, deu início à Missa daquele dia de festa, e, após a leitura do Evangelho, convidou o povo da Missa para sair da Igreja, a fim de visitar o povo no cortiço. Era razoavelmente perto. Formou-se, de forma espontânea, uma bela procissão. Dentro daquele mundo subumano, o povo do cortiço ficava admirado com tanta visita irmã, enquanto o povo da Missa ficava entristecido, cabisbaixo, chocado e até revoltado ao perceber tanta miséria, pobreza, mau cheiro, tanta falta de respeito para com o ser humano. Muitos do povo da Missa passavam, diariamente, em frente àquele cortiço, mas nunca haviam procurado entrar, a fim de visitar aquele povo lá dentro. Pois bem, após uma meia hora, uma parte do povo do cortiço se juntava ao povo da Missa e juntos foram até a Igreja! Aquela Missa, tradicionalmente rezada, transformou-se numa verdadeira celebração eucarística, ou seja, Jesus, agora sim, se fazia presente em todo o esplendor do seu amor junto aos seus irmãos e suas irmãs.

Julgar (uma possível abordagem)


A tradição da nossa fé nos ensina que Jesus pronunciou, naquela Última Ceia, as seguintes palavras: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19). O que significa o “fazei isto”? 
Para encontrarmos uma resposta, precisamos nos perguntar qual o significado da Eucaristia.
A palavra grega ‘eucaristia’ se refere à ‘ação de graças’. Trata-se do momento em que a comunidade dos que crêem na presença de Jesus na Eucaristia celebra o memorial da morte e ressurreição de Jesus. Portanto, na celebração da Eucaristia se celebra a Nova Aliança estabelecida entre Deus e a humanidade por meio do sacramento do amor definitivo de Deus para conosco, expresso e vivido na morte e ressurreição de Jesus. Esta “Aliança”, este acordo, ou pacto, diz respeito à união firmada entre Deus e nós, nós e Deus, “aquele Deus verdadeiro que amou-nos primeiro sem dividição”, como canta Pedro Casaldáliga na voz de Milton Nascimento na abertura da “Missa dos Quilombos”.
O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, ao refletir sobre a vida dos sacramentos, nos alerta, dizendo que os sacramentos têm duas características inseparáveis: “Gabe und Aufgabe” (graça e tarefa, missão). A Eucaristia é uma ação de graças, ou seja, um momento em que vivemos a graça da presença de Deus em nossa vida, assim como a presença de cada um de nós na vida do(a) outro(a), em nossa vida comunitária. Mas este é apenas um lado do sacramento, como de todos os sacramentos, pois todos eles são graça em e para nossa vida. O outro lado do sacramento, porém, constitui uma tarefa, uma missão, uma maneira de ser e de estar no mundo, na qual a graça se concretiza. E esta maneira de ser é exatamente aquilo a que Jesus se refere quando diz “Fazei isto”: vocês também devem olhar o outro, interessar-se por ele, fazer com que o outro seja importante, isto é, vocês também devem doar-se uns aos outros. É esta a verdadeira partilha eucarística e é nela que Jesus e o Pai se fazem presentes em nossa vida e nós na vida dEles.
Consequentemente, Eucaristia é celebrar, renovar e viver intensamente a vida, tornar efetivo o gesto amoroso de Jesus pela prática das ações concretas de amor entre nós, porém, em especial para com os empobrecidos, os excluídos e rejeitados da nossa sociedade.

Agir (perguntas e uma alerta)
Com as mãos construímos um mundo melhor pra se viver
Conforme secular tradição, a Eucaristia é celebrada entre nós em forma de “Missa”. Longe de eu querer desvalidar ou desvalorizar a celebração da Missa. Porém, permitam-me observar o seguinte e fazer algumas perguntas. Todos nós temos assistido, e ainda assistimos, a Missas, durante as quais são cumpridos apenas cânones, seguidas regras e executados ritos, mas, muitas vezes, sem ligação com nossa vida, sem paixão com a Paixão de Cristo. É possível a Eucaristia ser celebrada apenas a partir do altar? O sacramento do amor de Deus para conosco pode ser “administrado”? Será que desta forma se concretiza alguma graça? A Nova Aliança, estabelecida por Jesus, ganha vida e se faz real? Num momento daqueles nós nos aproximamos do amor em Jesus Crucificado e Ressuscitado, e construímos uma sólida base para a vivência fraterna, comunitária e amorosa entre nós? 

 Considero ser necessário refletir sobre estas (e outras) questões acerca das nossas práticas eucarísticas.
Creio ser necessário ficarmos atentos para que a Eucaristia, o sacramento do amor definitivo de Deus para conosco, não suma debaixo de cânones, regras e ritos, tirando-lhe a sua essência: a vida compartilhada entre Deus e nós.
 É bom sermos vigilantes, pois há um imenso abismo entre rezar a Missa e celebrar a Eucaristia. Se quisermos ser fiéis à Última Ceia, torna-se necessário de termos clareza sobre esta questão, a fim de sabermos fazer a opção correta.

Fortaleza, 30 de maio de 2013,
Geraldo Frencken

segunda-feira, 27 de maio de 2013

DECLARAÇÃO DO FÓRUM DAS TEÓLOGAS INDIANAS 2013


O Fórum das Teólogas Indianas (IWTF) se encontrou entre os dias 2 e 4 de maio de 2013, no ‘Centro de Espiritualidade Montfort’, em Bangalore, para refletir sobre o tema ”Mulheres e Liderança”. A partilha da nossa experiência pessoal como mulheres líderes em várias esferas revelou o traço comum da experiência das mulheres do divino interior e a sua capacidade de responder com fé e coragem.
A injunção bíblica “Ele te dominará” (Gn 3, 16) parece ser a sanção religiosa que legitima o controle masculino sobre as mulheres dentro das esferas da família, da Igreja e da sociedade em geral. Hoje, o mau uso desse poder assumiu proporções violentas, como visto na criminalização da política, no deslocamento dos pobres através da usurpação de suas terras e recursos, na corrupção em que a política é usada para proteger a riqueza, a fraude, o estupro, o crime, a cultura da impunidade e do ‘status quo’. A pobreza está caindo para o nível de indigência que não pode ser capturado pelas porcentagens ou descrito pelas estatísticas.
O abuso de poder se reflete em questões de governança, de lei e de ordem que estão assumindo um significado crucial e crítico nos nossos tempos. A principal preocupação é o aumento da violência contra as mulheres que está se intensificando em grau e extensão em termos de brutalidade. Essa violência contra as mulheres está ocorrendo em novas categorias e dimensões em todas as idades. As instituições existentes da lei e da justiça não estão conseguindo lidar com a situação das vítimas e promover a justiça.
Precisamos olhar criticamente para as raízes da violência contra as mulheres nas estruturas de poder patriarcais que continuam marcando a vida das mulheres.
Como mulheres líderes comprometidas com o bem-estar da sociedade, em particular das mulheres, condenamos fortemente:
- a escalada dos casos de agressão sexual brutal de meninas e mulheres;
- o assédio das vítimas por parte da polícia e durante o processo judicial;
- os procedimentos legais que causam tortura mental às sobreviventes de estupro, especialmente às de conflito comunitário.
Embora apreciemos a aprovação da emenda ao ‘Criminal Law Act 2013’, que garante um julgamento rápido para as vítimas de agressão sexual, esperamos que ela também seja aplicável aos casos pendentes.
Vemos a liderança feminista como o exercício do poder transformador. O poder transformador está conectado à ética do cuidado, da compaixão e da conectividade. O poder transformador escuta as vozes das pessoas nas margens ou nas periferias, e vê através dos olhos daqueles que não têm voz, esperança e poder.
A liderança transformadora exige que demos as mãos às pessoas, as acompanhemos e facilitemos a mudança, não pelo controle, mas sim pelo amor. A justiça deve ser restauradora da dignidade das pessoas e reconciliadora, em vez de vingativa e retributiva.
A liderança feminista trabalha pelo bem-estar das pessoas, colaborando com fins comuns, criando ambientes que promovem o crescimento dos indivíduos, das comunidades, empoderando-os e libertando-os para a missão.
Temos esperança assim como reconhecemos que as emendas 73 e 74 à Constituição criaram espaço para mulheres líderes na base, muitas das quais têm sido capazes de provocar uma mudança dos jogos de poder políticos para abordar as necessidades centrais das suas comunidades, como a água, a educação e a saúde. Essas lideranças romperam o mito de que as mulheres são incapazes de lidar com o poder e a responsabilidade fora das suas casas.
No entanto, estamos preocupadas com o tipo de liderança que está sendo projetada nas próximas eleições, que ameaça o tecido secular da nossa nação e marginalizaria ainda mais as grandes massas de pobres em nome do chamado desenvolvimento. Gostaríamos de ver lideranças que sejam comprometidas com a ética do cuidado e a compaixão pelas pessoas e pela terra.
Observamos que a Igreja do centro prega a mensagem, e a Igreja da periferia a vive, apesar do fato de que a Igreja da periferia tem uma mensagem importante para compartilhar com o centro, que não consegue recebê-la. Apreciamos e endossamos o apelo do Papa Francisco por uma Igreja dos pobres que “pregue o evangelho em todos os momentos, se necessário usando palavras” (São Francisco de Assis). Isso levaria o centro para a periferia para realmente viver a mensagem do evangelho.
Estamos preocupadas com o vínculo acriticamente sustentado entre jurisdição e ordenação, e a consequente exclusão das mulheres da liderança na Igreja, especialmente quando elas têm tanto a contribuir para uma “Igreja dos Pobres”.
É hora de reconhecermos os dons uns dos outros e unirmo-nos juntos para ver com novos olhos a visão feminista, que é igualitária, inclusiva e compassiva, para abordar essas diversas formas de violência contra as mulheres e os pobres.
Inspiramo-nos em modelos de liderança das mulheres na tradição bíblica, particularmente nas comunidades paulinas, em que redescobrimos que as mulheres eram líderes dinâmicas que atuavam como diaconisas investidas de autoridade para ensinar, pregar, administrar e evangelizar. A palavra grega ‘diakonos’ refere-se tanto a homens quanto a mulheres. E, a partir da menção de Paulo a Febe como diakonos (cf. Rm 16, 1-2), de Priscila como mestre (Rm 16, 3) e a Júnia como apóstola (Rm 16, 7), fica óbvio que Paulo reconheceu a liderança das mulheres nos âmbitos da oração, do ensino, da administração e da evangelização. Inspiradas por esses exemplos, urgimos as mulheres a reivindicar o seu espaço legítimo, como modelado pelas mulheres na Igreja primitiva.
Em conclusão, reconhecemos que fazer teologia é uma tarefa política que critica e profeticamente chama todas as mulheres líderes a desenvolver uma nova visão e imaginação, e a exercer o poder que permite, encoraja e empodera as pessoas nas margens, particularmente os que não têm voz, a exercer o seu direito de viver a vida em toda sua plenitude (Jo 10, 10).
Comprometemo-nos a fazer evoluir a liderança das mulheres que tem suas raízes nos Evangelhos e é vida que se dá a todas e a todos.
(Geraldo Frencken)

terça-feira, 21 de maio de 2013

IV Colóquio Teológico - Uma Ciranda de Experiências com a Vida


Boa tarde queridos e queridas!

Então estamos disponibilizando hoje, aqui no blog, o vídeo com a Ciranda que realizamos no final do IV Colóquio Teológico - "Conversas com a Juventude - Defendendo a vida, fortalecendo a esperança".

Nós, que fazemos o Movimento por uma Formação Cristã Libertadora, agradecemos a presença de todos e de todas.

Ainda essa semana postaremos as fotos.

Jean dos Anjos


quarta-feira, 15 de maio de 2013

VINGANÇA NÃO LEVA A NADA


Vingança não leva a nada


A mídia de mercado e os que só pensam em vingança tentam de todas as formas induzir os congressistas a apoiarem a redução da maioridade penal para 16 anos.
Uma das manchetes de O Globo (quarta-feira - 8 de maio) é sintomática: “Estuprador do ônibus é menor solto pela Justiça”. E na sustentação: “Maioridade penal em questão”.
O leitor, sobretudo a maioria que apenas lê as chamadas de primeira página nas bancas de jornais acaba concluindo o quê? Simplesmente que o menor, assaltante e estuprador em um ônibus no Rio de Janeiro foi solto depois de se apresentar ao Juizado de Menores com a mãe. Mas não, ele foi solto em outra ocasião, depois que os responsáveis se comprometeram a apresentá-lo mensalmente a um Juizado de Infância, o que deixou de acontecer. Essa informação só aparece na leitura da pagina da matéria.
E a defesa da redução da maioridade penal é colocada de tal forma como se menores infratores não fossem punidos. E quase nada se informa sobre os crimes hediondos cometidos por menores que são absolutamente minoritários nas estatísticas. Esses criminosos, ao contrário do que diz a mídia de mercado, cumprem penas.
Moral da história: daqui para frente os meios de comunicação de mercado vão intensificar a campanha pela redução da maioridade penal, como se no Brasil as condições carcerárias estivessem em condições de abrigar menores de 18 anos e não apenas transformá-los em ainda mais criminosos, como acontece nos presídios.
É o tipo da vingança que no final das contas acaba saindo pela culatra, ou seja, a transformação de um menor de 18 anos infrator em um criminoso total.
Ao contrário do que apresenta o senso comum, estimulado por publicações como O Globo, o papel do Estado não é a vingança, mas punir infratores e procurar recuperá-los. Se não consegue, é outra história. É preciso saber o motivo.
Nas cartas aos leitores dos jornalões só são divulgadas notas favoráveis à redução da maiordiade penal, como se não fossem encontrados leitores com pensamento discordante. Nas televisões as matérias induzem os telespectadores a aceitar a redução.
O debate pode estar posto, mas só que a tese em favor da redução da maioridade penal aparece de forma avassaladora, praticamente sem contraponto. Prevalece o pensamento único.
Por estas e muitas outras é necessário, aí sim, um debate profundo sobre a necessidade de uma nova legislação midiática, como estão fazendo os movimentos sociais, que possibilite dar vez e voz a todos os setores em pé de igualdade, o que não acontece com a mídia concentrada sob controle de algumas famílias proprietárias de veículos de comunicação.

De quebra deve ser incluído nesta lista o Instituto Milleninum, que reúne a fina flor do conservadorismo em todas áreas neste Terceiro Milênio

Mário Augusto Jakobskind
É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. 

terça-feira, 7 de maio de 2013

NOSSO IV COLÓQUIO TEOLÓGICO SE APROXIMA


         CONVERSA COM AS JUVENTUDES
     DEFENDENDO A VIDA,
     FORTALECENDO A ESPERANÇA

         DEBATEDORES

 *JESUANA PRADO
Pastoral da Juventude e Meios Populares (PJMP)

 *JONAS SANTOS CRUZ
Pastoral da Juventude e Meios Populares (PJMP)

 *MARIA SOAVE BUSCEMI
Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)


LOCAL: Paróquia N. Sra. das Dores
Otávio Bonfim
DATA: 18 de Maio de 2013
HORA: 08h00 - 12h00
                                                            ENTRADA FRANCA
*Café e lanche no local. Gratuito!



segunda-feira, 6 de maio de 2013

Curso prof. CARLO TURSI




A Violência e o Sagrado
Tragédia grega, mito religioso, lógica sacrificio
Ementa:
O curso introduz nas análises literárias e antropológicas de René Girard, famoso pesquisador francês e professor emérito da Universidade de Stanford (EUA) que descobriu – ultrapassando Freud - por trás de Édipo Rei e As Bacantes, dos cultos sacrificiais, rituais e mitos cosmogônicos dos povos um único problema fundamental: não Éros, mas Tánatos, ou seja, a violência impura e contagiosa que, em forma de vingança interminável, ameaça desde as origens todo o convívio humano. Ao pensamento mítico, reprodutor da lógica sacrificial e promotor da caça coletiva ao “bode expiatório”, René Girard contrapõe os Evangelhos – entendidos por ele como uma teoria do homem – que proclamam pela primeira vez a inocência da vítima, desautorizando para sempre o princípio de Caifás.  – Imperdível para quem gosta de investigar o nexo oculto entre pensamento trágico, mítico e religioso.
com
Carlo tursi
De agosto a novembro                                                            toda quinta-feira, 19:00 - 21:00 h
Na sede do movimento familiar cristão                            rua pinto madeira, 801                                                                      Telefone de contato:   3263-2730 
A Violência e o Sagrado

sábado, 4 de maio de 2013

CARTA ABERTA AO PADRE ROBERTO FRANCISCO DANIEL (BETO)


FIDELIDADE, OBEDIÊNCIA E LIBERDADE DE PENSAR
Foto: Talita Zaparolli



Caro irmão no sacerdócio, Padre Beto,
Nós, o Movimento das Famílias dos Padres Casados - MFPC, dirigimo-nos ao senhor, em primeiro lugar, para mostrar nossa solidariedade neste momento em que foi atingido na essência do ser humano: o direito de pensar e expressar-se livremente.
Lamentamos, em seguida, profundamente que, na nossa Igreja, a porta do acesso ao diálogo se apresenta cada vez mais estreita, enquanto o diálogo é exatamente uma daquelas portas largas, abrindo o caminho que leva ao Reino, conforme mostra Jesus no diálogo com a mulher samaritana (cf. João 4). Lamentamos o fato que, por parte da hierarquia eclesiástica, a arma usada é a do Direito Canônico, ou seja, as leis, feitas por homens, são colocadas, novamente, acima da mensagem libertadora e dos preceitos e das atitudes do Evangelho.
Nós todos, desejosos para seguirmos ao nosso irmão Jesus, precisamos ser fiéis e obedientes a Ele, porém não como ovelhas que O seguem cegamente e sim como seguidores que, em pleno uso da liberdade, criada em nós pelo Pai, sabem a Quem seguir e porque segui-Lo. A lei maior deste seguimento é o amor a todas e todos, criaturas de Deus, criadas em igualdade e liberdade.
O nosso profeta, Dom Helder Camara, dizia: “Se discordas de mim, tu me enriqueces.”. Que bela lição que, caso fosse aplicada, faria todos nós respirarmos profundamente a nossa liberdade de opinião e opção de vida, comunicando-nos como irmãos e irmãs uns com os outros.
Desejamos, Padre Beto, que este momento fortaleça sua fé no amor de Deus e reafirme sua opção radical de estar ao lado daquelas e daqueles que são colocados à margem da sociedade e da Igreja.
Colocamo-nos ao seu dispor e estamos unidos em oração e ação.
Nosso abraço fraterno,
Fortaleza, 4 de maio de 2013,
Em nome de todos que são o MFPC no Brasil,
A Coordenação Nacional

MAIS PADRE BETO, MENOS PADRE MARCELO


MAIS PADRE BETO, MENOS PADRE MARCELO
Matheus Pichonelli – www.cartacapital.com.br

Entre os dias 23 e 28 de julho, o Rio de Janeiro sediará a Jornada Mundial da Juventude. Será a primeira viagem internacional do argentino Jorge Mario Bergoglio como papa Francisco. A recepção ficará por conta dos padre-cantores Fábio de Melo, Reginaldo Mazotti e Marcelo Rossi. Serão os cartões de visita de uma igreja que tenta fazer frente à guinada evangélica com música, pirotecnia, esvaziamento político e alienação.
O padre Marcelo, que posa ao lado de políticos, defende que a igreja se afaste da política das comunidades de base. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/jul.2008
Não é outra a impressão que se tem ao abrir e fechar os jornais da segunda-feira 20. Pela manhã, fui fisgado pela reveladora entrevista à Folha de S.Paulo concedida pelo padre Marcelo Rossi. Nela, o clérigo declarou, entre outras pérolas, que tem como função “animar as pessoas” durante as celebrações; que os evangélicos “invadem” (foi esta a expressão) os horários da tevê; que, para fazer frente aos “rivais”, as comunidades eclesiais de base – pontos de encontro entre o Clero, a periferia e as lideranças locais – são velas que iluminam pouco em comparação aos grandes santuários (ele comparou a igreja católica a um time de futebol que, apesar dos limites, consegue vencer uma partida graças à sua torcida); que o perigo destas comunidades é “cair na política”; e cita a justiça do mundo, que tarda mas chega, ao analisar o ranking de personalidades confiáveis da Folha de S.Paulo, em que apareceria atrás apenas de Lula e William Bonner, enquanto o bispo Edir Macedo figurava “lá em 20º”.
Como não era de se estranhar, ele vestiu as vestes do funcionário-padrão ao se manifestar sobre o casamento gay: “A palavra de Deus é clara: Deus criou o homem e a mulher. A igreja acolhe o pecador, mas não o pecado”. Para ele, a adoção de crianças por casais homossexuais, em discussão em qualquer lugar do mundo, “quebra o sentido do que é família”.
É o retrato perfeito de uma igreja alienada e alienante. Uma igreja que confunde fieis com torcida organizada – e a coexistência de credos com torneio mata-mata – e tem um sonho de consumo: transformar os fieis em cordeiros passivos, temerosos à destruição da família pelo pecado e aptos a engolir tudo o que é dito sem grandes questionamentos.
Que bom que esta igreja forme cada vez menos padres, atraia cada vez menos gente, e afaste diariamente tantos fieis.
O padre Marcelo Rossi, enquanto canta, bate palma e sorri – e se comporta, portanto, como animador de torcida que não sabe por que canta, bate palma e sorri – parece jogar para o tapete toda a complexidade de um tecido social cruel. Nesse tecido, uma nova ordem se manifesta aos poucos, mas é ignorada por uma igreja que se finge de surda, cega e muda.
Surda porque, em meio a tanta gritaria, não ouve o clamores por paz e a unidade, pilares do Evangelho, expressos na vida real. Clamores que rejeitam a velha dicotomia “nós x eles” – católicos x evangélicos, gays x família, política x retidão – e pregam a comunhão não de velhos dogmas, mas de valores, estes cada vez mais associados às liberdades de escolha e expressão.
Cega porque, ao se distanciar da política, se esquece dos reais métodos de transformação. O apelo à despolitização, em um mundo de soluções negociadas, é um acinte à racionalidade. Mas, para o padre Marcelo, a noção de política é em si nociva; e quanto mais a igreja pensar grande e se afastar das comunidades já afastadas – as pequenas comunidades que não lotam um templo nem saem bem na foto – melhor. O apelo do padre Marcelo à alienação é um grande desserviço: leva o fiel a acreditar que o afastamento da vida política – portanto comunitária – é um atalho para moralidade pública. Não é. Se as comunidades eclesiais de base se afastaram da vocação social transformadora não foi por excesso, mas pela ausência de engajamento. Cantar, dançar e bater palma não moverá montanha nem despertará a atenção das autoridades políticas, religiosas, sociais e econômicas para os desafios do novo e do velho século. O padre Marcelo parece não saber, mas é cobrando, dialogando, propondo caminhos, e não cantando, dançando e batendo palmas, que se universaliza a dignidade e a justiça – que não se expressa apenas em um ranking raso de personalidades do momento.
E muda porque se cala diante das agressões diárias praticadas não pelo Demônio da Bíblia, mas das ruas de todo santo (ou maldito) dia: as agressões a quem se expressa, a quem pede o direito de existir, de ir e vir, e a quem não tem a plenitude dos direitos civis, políticos, sociais e humanos, enfim. Cantar, dançar e bater palma podem entreter, mas não religam o humano ao que lhe é mais caro. Não matam a fome – nem física nem espiritual. E não será com ovelhas domesticadas, passivas, dóceis, massificadas, despolitizadas e incapazes de refletir sobre o mundo que a Igreja criará a ponta para uma fé genuína. Porque fé e transformação não precisam ser valores incompatíveis para se manifestar.
Não parece ser só coincidência o fato de que, no mesmo dia em que foi publicada a entrevista com o padre-símbolo de uma igreja encantada tenha sido anunciada a excomunhão de outro símbolo: o de quem escancara o descolamento desta igreja de sua própria realidade.
Em Bauru, a cerca de 300 km da capital paulista – e a anos-luz de uma discussão que o Vaticano se nega a encaminhar – o padre Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, pagou o preço por ter afirmado, durante suas pregações, que “hoje em dia não dá mais para enquadrar o ser humano em homossexual, bissexual ou heterossexual” e “que o amor pode surgir em qualquer desses níveis”. A igreja, que leva séculos para digerir um mundo novo, levou dias, horas, minutos para acusar a heresia e o cisma.
Era um fim inevitável: dias antes da excomunhão, o padre Beto já havia anunciado que deixava a igreja porque era impossível viver o Evangelho em uma instituição que não respeita a liberdade de reflexão e expressão e se descolou do modelo de Jesus Cristo, que viveu esses direitos plenamente e levou as pessoas a pensarem por si mesmas. “Não é possível ser cristão em uma instituição que cria hipocrisias e mantém regras morais totalmente ultrapassadas da nossa época e do conhecimento da ciência”, disse.
Uma instituição, segundo ele, omissa diante de problemas sociais graves, como o descaso com a educação, com a segurança pública, com o sistema prisional e um sistema de saúde público que só serve ao sistema privado. “Se refletir é um pecado, sou um pecador e sempre serei um pecador”, finalizou.
São duas posturas diametralmente opostas dentro de uma mesma igreja que tem, na base, uma só ordem: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.Uma quer que tudo siga como está: que, em nome da ordem natural das coisas, quem sofre siga sofrendo em silêncio, descolado da realidade que pede postura, indignação e transformação. É mais fácil, e menos perigoso, pular e sorrir cantando que os animaizinhos subiram de dois em dois na arca de Noé.
A outra pede mudanças, aceita as liberdades e acredita, como dizia uma música estranhamente desaparecida das celebrações, que comungar é tornar-se um “perigo”; é unir-se numa “luta sofrida de um povo que quer ter voz, ter vez e lugar”. Uma música que avisava: se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão.
Uns falam. Outros erguem as mãos, dão glórias a Deus e, quando a multidão desaparece, apagam as luzes do templo e escondem os cadáveres debaixo do tapete. Se este for o exercício pleno da fé, fiquemos com os pecadores. E com a proposta anti-dogma do cancioneiro popular: amar e mudar as coisas nos interessam mais.