terça-feira, 24 de dezembro de 2013

“NÃO TENHAM MEDO!”

NATAL (IV)

Lucas é o único evangelista que narra, de forma detalhada e explicativa, o nascimento de Jesus. Em meio a essa narrativa humana e comovente, a cena que sempre chamou minha atenção é aquela entre os anjos e os pastores. Os últimos ficaram um tanto assustados com certos fenômenos sobrenaturais: eles não os entendiam e, consequentemente, não souberam interpretá-los. Os anjos, no entanto, acalmaram os pastores, dizendo: “Não tenham medo!” (cf. Lucas 2, 8-14).
Por que os pastores não precisavam temer nada? Pobres como eram, não tinham condições para cumprir todas as exigências da Lei, tanto das leis impostas pelas pesadas estruturas de sua religião, como dos intermináveis tributos cobrados pelo poder dos romanos. Mas justo eles, os despossuídos daquele tempo, foram os favorecidos para receberem a mensagem daquele Menino na pobreza e humildade. Ao verem o Menino, começaram a entender o que estava acontecendo, e, como relata Lucas, se tornaram, alegremente, testemunhas oculares, “contando o que o anjo lhe anunciara sobre o Menino”, espalhando a notícia por toda parte. Eles deixaram de ter medo e criaram coragem para anunciar “a boa notícia”, fazendo com que todos que os ouviam, ficassem “maravilhados”. É assim mesmo: quem tem coragem, age com coração, com convicção, e, conscientemente, assume sua responsabilidade.
É interessante como na Bíblia aparece o tema de “não ter medo” ou de “não se assustar”. Ele aparece em momentos cruciais na vida das pessoas. Zacarias, ao saber da gravidez da Isabel, se assustou, porém o anjo lhe disse: “Não tenha medo, Zacarias! Deus ouviu seu pedido.” (cf. Lucas 1, 8-20). Maria, ao saber-se a escolhida de Deus para ser a mãe de Jesus, ficou preocupada, mas o anjo falou: “Não tenha medo, Maria, porque você encontrou graça diante de Deus.” (cf. Lucas 1, 26-37). Maria Madalena e a outra Maria, indo ao túmulo de Jesus, ficaram muito assustadas por não encontrá-Lo, mas o anjo, ali sentado, lhes disse: “Não tenham medo ..... Ele não está aqui. Ressuscitou, como havia dito!” (cf. Mateus 28, 1-10). Em outras palavras: não ter medo, não se assustar, significa dizer que há coisa boa para acontecer: aos pastores era anunciada uma boa nova, e os outros exemplos mostram também a mão de Deus intercedendo em favor da vida das pessoas.
Natal, portanto, é a festa dos que não tem medo.
O Menino não teve medo de nascer em meio a um mundo cruel, opressor, dilacerado por divisões internas, “onde não havia lugar para ele”; não teve medo de nascer pobre, distante da corte e das autoridades, porque sabia que podia esquentar-se no colo da humildade da serva sua mãe e nos braços do seu cuidadoso pai; também sentia-se abraçado pelos modestos e bons pastores. Consequentemente, o Natal de
Jesus pode acontecer através de nós, se nos colocarmos no nosso mundo sem medo, defendendo a vida em todo seu esplendor de diversidade. Não podemos contentar-nos com o Natal de Jesus como lembrança daquele fato histórico. É preciso procurar trazê-Lo à vida no cotidiano das nossas palavras e ações, exatamente quando não é dado lugar para ideias e práticas que constroem vida, pois é lá que o Menino quer nascer.
Natal também é a festa da luz.
Deixemos de procurar a luz no fim do túnel da vida, porque o Menino ensinou a sermos luzes dentro do túnel da vida (cf. Carlos Mesters). Quem procura a luz no fim do túnel, já se encontra no desespero. Desespero não combina com quem quer ser do Caminho de Jesus. Desespero é o contrário de coragem, e opõe-se à fé.
Natal é, acima de tudo, a festa do amor.
Nelson Mandela diz: “O amor entra mais fácil no coração do homem do que o ódio!”. Nesta certeza, este homem de Deus encontrou a coragem para lutar por um mundo melhor. Que mensagem bela para o Natal, esta palavra do Madiba.

Seja o nosso Natal verdadeiramente feliz, cheio de luz e amor, sinônimos de Deus, que espantam o medo dentro de nós, a fim de construirmos um mundo de paz e de bem, fazendo nele Jesus nascer, nos recantos da vida, cada dia de novo.


Fortaleza, 19 de dezembro de 2013,
Geraldo Frencken
geraldof73@yahoo.com.br

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A ALEGRE ANSIEDADE DA ESPERA, DA EXPECTATIVA

NATAL (III)



Todos nós passamos pela experiência da preparação de uma festa. Aqueles dias se tornam, muitas vezes, mais interessantes do que a própria festa, porque as preparativas são realizadas em conjunto: todo mundo mexe, pensa, corre, cria coisas. Essa movimentação suscita aquela ansiedade que cresce na medida em que o dia da festa se aproxima.
A mesma sensação de alegria, de expectativa toma conta das pessoas, quando se fala em festa de Natal. Trata-se de um tempo que é chamado de “Advento”, palavra que vem do verbo latino “advenir”, o que diz respeito a algo que surge posteriormente, que virá logo em seguida. Relembremos alguns costumes antigos da tradição cristã, que expressam bem esta expectativa e alegre ansiedade.
Entre os cristãos há um costume interessante que alimenta, de forma bem expressiva, esse tempo de espera. São colocadas quatro velas, geralmente em forma circular. A primeira é acesa no primeiro domingo do Advento, a segunda no domingo seguinte, e assim por diante. Quando chegamos ao último domingo, antes da festa de Natal, as quatro velas estão acesas e sua luz ilumina e seu calor aquece a nossa esperança pelo novo que está por vir.
Muitas famílias enfeitam suas casas com as decorações típicas da época, desde a árvore de Natal, luzes, velas, tudo bem colorido, e etc. Sempre, porém, é reservado um lugar de destaque para o presépio, criação de Francisco de Assis. Tomara que no nosso presépio haja lugar para os pastores, os amigos prediletos de Jesus.
Na liturgia da Igreja Católica continua o costume de chamar o terceiro domingo do Advento, quando faltam apenas duas semanas para o Natal, de “domingo da alegria” e se canta: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Diga novamente: alegrai-vos!”
Também as praças das nossos cidades são ornamentadas com inúmeras luzes, muitas cores, adornos natalinos. Há coros que cantam
músicas, alegrando a todos que ali se concentram.
Em outras palavras: o tempo que antecede à festa de Natal é marcado pela alegria, pela esperança, porque acreditamos que há de começar algo novo em nossas vidas. Paira no ar uma nova proposta de vida, um jeito melhor de se conviver uns com os outros, como canta Ivan Lins: “No novo tempo, apesar dos castigos, estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer.” Invade-nos um ardente desejo de que tudo aquilo que vai contra a vida dê lugar à realização de todos os nossos sonhos que falam de um mundo melhor. Ressoa dentro de nós uma voz que almeja tranquilidade, fraternidade, justiça, paz e amor.
No meio deste borbulhar todo, porém, é preciso procurar um pouco de silêncio, para que cada um possa encontrar-se, em primeira instância, consigo mesmo e, em seguida, se perguntar se está aberto e preparado para o novo, que veio no silêncio e na escuridão da noite, que “carrega a aurora em seu seio!” (Dom Helder). Veremos qual é esta bela aurora.
Geraldo Frencken
geraldof73@yahoo.com.br



domingo, 22 de dezembro de 2013

SUMIRAM OS PASTORES ( NATAL II)






Foi na cidade do Recife, na passagem do século XX para XXI, que observei, pela primeira vez, algo estranho no meu entendimento sobre o Natal. Havia, em diversos bairros, belos enfeites natalinos, como também montagens de vistosos presépios, feitos - diga-se de passagem - com bom gosto. Porém, algo faltava neles: em presépio algum havia figuras que representassem os pastores. Somente Jesus, Maria, José, o anjo, alguns animais e, bem evidenciados, os três “reis magos”, cuja magia ganhava destaque pelo tamanho dos presentes a serem doados a um bebê, volumoso e rosado, “imagem” do Menino Jesus.

De lá para cá observo presépios por toda parte, nos quais os pastores, lamentavelmente, continuam a ser excluídos: presépios nas praças, nos shoppings, em outros estabelecimentos comerciais, em halls de prédios, em consultórios médicos, e etc. sem pastores, enquanto os “reis magos”, com sua “magia das ofertas”, se sobrepõem, de forma soberana, sobre aquelas figuras que “representam” Jesus,Maria, José.

O que significa a não presença dos pastores em nossos presépios?

Em primeiro lugar, o destaque dado aos “reis magos”, e a exclusão dos pastores dos presépios são sinais da mercantilização do Natal: importa é gastar dinheiro, e, de preferência, todo o seu 13º, em compras de presentes, que, na maioria das vezes, os consumidores continuam a pagar durante todo o ano de 2014.

Em segundo lugar, a exclusão dos pastores dos presépios é um retrato fiel da realidade da nossa sociedade. Como os pastores, os pobres daquela época, são excluídos dos presépios chiques, assim os pobres de hoje continuam a ser excluídos. É a afirmação daquilo que vivemos na nossa sociedade: a contínua e escandalosa separação abismal entre alguns poucos ricos e a massificação dos pobres.

Em terceiro lugar, a exclusão dos pastores dos presépios públicos retrata que o mais profundo sentido do Natal acaba de ser deformado, descaracterizado e corrompido.
 Havemos de nos interrogar, constantemente qual o significado fundamental do Natal de Jesus. Como entender Jesus?

O espaço que temos no nosso contexto é reduzido demais para aprofundar este questionamento a contento, mas gostaria de chamar atenção apenas por um aspecto.

Tanto Deus Pai como Jesus podem ser entendidos, somente, a partir do mundo dos pobres. Pois Deus se apresenta e Jesus se revela no mundo dos pequenos e dos excluídos. Impressiona quais pessoas, no mundo bíblico, são escolhidas por Deus para se tornarem sua voz: Abraão, Jacó, José e Moisés, Isaías, Oséias e Amós, Isabel, Maria e José, os pastores, os aflitos e os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os insultados e perseguidos, Pedro, Marcus, Lucas e João, Barnabé e Silas, Priscila e Áquila. Todas estas pessoas simples, do meio do povo, aquela gente que se dispunha a ouvir, compreender e testemunhar uma nova proposta de vida, isto é, a proposta do Reino de Deus. E não é diferente, após os tempos bíblicos, no decorrer da história que se segue até aos nossos tempos: Teresinha do Menino Jesus, Francisco, Antônio, Vicente de Paulo, Tereza de Calcutá, Helder Camara, Martin Luther King, Mandela, Chico Mendes, Margarida Alves, Dorothy, Dulce, Oscar Romero, Dalai Lama, e assim por diante: todos homens e mulheres que, por viverem a humildade, a simplicidade e manifestarem a verdade, criavam condições favoráveis para que Deus pudesse revelar-se ao mundo e Jesus aparecesse por meio do testemunho deles e delas. Deus sempre escolhe “os misericordiosos e os puros de coração” (confere Mateus 5, 1-12), pois “o espírito do Senhor pousará sempre sobre eles e eles promoverão a paz, e por meio deles será proclamada a libertação aos presos, a recuperação da vista aos cegos, a libertação aos oprimidos e, um dia, será proclamado o ano de graça do Senhor: são estes os sinais do anúncio da Boa Nova aos pobres” (confere Lucas 4, 18-19).

Portanto, não podemos excluir os pastores dos nossos presépios, pois ao fazermos isso, tiramos os prediletos de Jesus de perto dele e mostramos que, embora professemos que Ele é o “Deus conosco”, “nós não O conhecemos e nós O desprezamos”, porque quem despreza os pobres, despreza Jesus, despreza Deus (confere Mateus 25, 41-46).

Fortaleza, 19 de dezembro de 2013,
Geraldo Frencken
geraldof73@yahoo.com.br

sábado, 21 de dezembro de 2013

Reflexões acerca do Natal.

NATAL (I)

O NOSSO NATAL MERCANTILIZADO!?
Desejo refletir um pouco acerca de alguns aspectos do Natal, data tão marcante e importante na vida das pessoas. Deixarei guiar-me por quatro fontes, não de forma sequencial, e sim como luzes que se misturam e se influenciam mutuamente: - a observação dos acontecimentos do nosso dia-a-dia desta época; - um pouco da história e dos costumes natalinos; - o sentido originário desta data e os sonhos que sobraram; - o próprio Jesus com sua mãe, seu pai e todos aqueles que nEle se reconheceram e se reconhecem.
O bom observador deve ter percebido que o comércio natalino passou, este ano, por uma demasiada antecipação. Enquanto há poucos anos era dado início aos anúncios comerciais natalinos a partir do fim do mês de novembro, começo de dezembro, este ano estamos mergulhados em e entupidos por ofertas de preços espetaculares dos presentes de natal, já desde o fim do mês de outubro, enquanto aquela chatérrima sequencia de notas, formando o insuportável “Jingle Bells”, tapulha nossos ouvidos, decompondo nosso gosto e sensibilidade musicais.
Pergunto-me o quanto tudo isso nos afasta do espírito natalino que diz respeito a algo novo que pede passagem, a fim de “habitar entre nós”.
Considero o “novo”, o “não conhecido”, o “não esperado”, o “surpreendente” uma das características mais belas do Natal, isto é, de todas as formas de Natal, de toda vida nova, seja de planetas ou estrelas, de ideias, pensamentos ou descobertas, de seres humanos, animais ou plantas, de sentimentos, emoções ou paixões. A língua alemã expressa bem o que pretendo dizer, pois nela se fala em “AHA-Erlebnis”, o que significa a inesquecível experiência e vivência da admiração, do encanto. O novo se apresenta a nós e nos convida a um diálogo entre o já percorrido caminho da nossa história e a originalidade de todo novo ser, que carrega dentro de si a possibilidade de dinamizar nossa vida e transformá-la.
A mercantilização mata tudo isto dentre de nós, porque a “lógica” do comércio é propaganda, é concorrência, disputa, oferta, e, acima de tudo, é a frieza do cálculo, é o endeusamento do lucro.
A “lógica” do mercantilismo e o momento natalino se contradizem.
De um lado, o comércio se impõe, nos engana e nos ludibria por meio de suas propagandas berrantes, suas cores ofuscantes e músicas ensurdecedoras, que nos
transportam para o mundo da ilusão e nos afundam em ambientes onde reinam valores passageiros. Do outro lado, o Natal, através do verdadeiramente “novo”, acontece no silêncio, no escuro da madrugada, quando o novo dia aponta no horizonte, quando a esperança se torna realidade. O “surpreendente” necessita do espírito da reflexão que leva à admiração, ao encanto, a fim de nos elevar, enriquecidos, ao mundo do real e definitivo, conquistável por meio de valores a serem adquiridos, mas que perpetuam.
Há muito tempo, mais precisamente no século II da nossa era, o Papa Teléforo – papado entre 126 e 136 - lançou, no ano de 128, um edito, regulamentando a festa de Natal, a fim de coibir os abusos, uma vez que ela era celebrada sem espiritualidade alguma.
Será que não está na hora de nos interrogarmos se o nosso Natal também não está sendo ofuscado debaixo de abusos, neste caso, mercantilistas, que nos cegam, enquanto perde, pouco a pouco, a sua espiritualidade? E mais: o que podemos fazer para nos reconduzirmos ao espírito originário e cristão do Natal?

Fortaleza, 19 de dezembro de 2013,
Geraldo Frencken
geraldof73@yahoo.com.br

domingo, 15 de dezembro de 2013

CURAR FERIDAS



por José A. Pagola
atuação de Jesus deixou João Batista desconcertado. Ele esperava um Messias que eliminaria o pecado do mundo impondo o juízo rigoroso de Deus, ao invés de um Messias dedicado a curar feridas e aliviar sofrimentos. Da prisão de Maqueronte, envia uma mensagem a Jesus: “És tu o que viria ou devemos esperar por outro?”

Jesus responde com sua vida de profeta curador: “Digam a João o que estão vendo e ouvindo: os cegos veem e os paralíticos andam; os leprosos estão curados e os surdos ouvem; os mortos ressuscitam e aos pobres se anuncia a Boa Notícia.”

Jesus se sente enviado por um Pai misericordioso que deseja para todos um mundo mais digno e feliz. Por isso, se entrega a curar feridas, sanar doenças e liberar a vida. E, por isso, pede a todos: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”.

Jesus não se sente enviado por um juiz rigoroso para julgar aos pecadores e condenar o mundo. Por isso, não amedronta a ninguém com ações justiceiras:oferece a pecadoras e pecadores sua amizade e seu perdão. E, por isso, pede a todas e todos: “Não julgue para não ser julgada/o”.

Jesus nunca cura de forma arbitrária ou por sensacionalismo. Cura, movido pela compaixão, buscando restaurar a vida das pessoas abatidas, doentes e desanimadas. São estas as primeiras que têm aexperiência de Deus amigo da vida digna e saudável.

Jesus não insistiu no caráter prodigioso de suas curas, nem pensou nelas como receita fácil para suprimir o sofrimento do mundo. Apresentou sua atividade curadora como símbolo para seus seguidores compreenderem em que direção atuar para abrir caminhos ao projeto humanizador do Pai que Ele chamava “Reino de Deus”.

O Papa Francisco afirma que “curar feridas” é uma tarefa urgente: “Vejo com clareza que o que a Igreja necessita, hoje, é uma capacidade de curar feridas e oferecer calor, intimidade e proximidade aos corações... Isto é a primeira coisa: curar feridas, curar feridas”. Depois fala em “cuidarmos das pessoas, acompanhando-as como obom samaritano que lava, limpa e consola”. Fala, também, de “caminhar com as pessoas na noite, saber dialogar, descer à noite escura sem perder-se”.

Ao confiar sua missão aos discípulos, Jesus não os imaginava como doutores, hierarcas, liturgistas e teólogos, mas como curadores. A missão é dupla: proclamar a proximidade do Reino de Deus e curar as/os doentes.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Por que no meio da dor os negros, dançam, cantam e riem?


Leonardo Boff - teólogo, filósofo e escritor
Milhares de pessoa em toda a África do Sul misturam choro com dança, festa com lamentos pela morte de Nelson Mandela. É a forma como realizam culturalmente o rito de passagem da vida deste lado para a vida do outro lado, onde estão os anciãos, os sábios e os guardiães do povo, de seus ritos e das normas éticas. Lá está agora Mandela de forma invisível mas plenamente presente acompanhando o povo que ele tanto ajudou a se libertar.
Momentos como estes nos fazem recordar de nossa mais alta ancestralidade humana. Todos temos nossas raízes na África, embora a grande maioria o desconheça ou não lhe dê importância. Mas é decisivo que nos reapropriemos de nossas origens, pois elas, de um modo ou de outro, na forma de informação, estão inscritas no nosso código genético e espiritual.
Refiro-me aqui a tópicos de um texto que há tempos escrevi sob o título Somos todos africanos, atualizado face à situação atual mudada. De saída,  importa denunciar a tragédia africana: é o continente mais esquecido e vandalizado das políticas mundiais. Somente suas terras contam. São compradas pelos grandes conglomerados mundiais e pela China para organizar imensas plantações de grãos que devem garantir a alimentação, não da Africa mas de seus países, ou negociadas no mercado especulativo. As famosas land grabbing possuem, juntas, a extensão de uma França inteira. Hoje, a África é uma espécie de espelho retrovisor de como nós humanos pudemos no passado, e podemos hoje ainda,  ser desumanos e terríveis. A atual neocolonização é mais perversa que a dos séculos passados.
Sem olvidar esta tragédia, concentremo-nos na herança africana que se esconde em nós. Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de 7 milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habiliserectusneanderthalense até chegar ao homo sapiens,  cerca de 90 mil anos atrás.Depois de ficar 4,4 milhões de anos em solo africano, este se propagou para a Ásia, há 60 mil anos; para a Europa, há 40 mil anos; e para as Américas há 30 mil anos. Quer dizer, grande parte da vida humana foi vivida na África, hoje esquecida e desprezada.
É consenso do paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, há cerca de 7 milhões de anos
A África, além de ser o lugar geográfico de nossas origens, comparece como  o arquétipo primal: o conjunto das marcas, impressas na alma de todo ser humano. Foi na África que este elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, irrompeu a criatividade e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. O espírito da África está presente em todos nós.Identifico três eixos principais do espírito da África, que  podem nos inspirar na superação da crise sistêmica que nos assola.
O primeiro é o amor à Mãe Terra, a Mama Africa. Espalhando-se pelos vastos espaços africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a interconexão que todas as coisas guardam entre si, as águas, as montanhas, os animais, as florestas e as energias cósmicas. Sentiam-se parte desse todo. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.
O segundo eixo é a matriz relacional (relational matrix no dizer dos antropólogos). Os africanos usam a palavra ubuntu que significa:“Eu sou o que sou porque pertenço à comunidade” ou “eu sou o que sou através de você, e você é você através de mim”. Todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes. O que a física quântica e a nova cosmologia dizem acerca de interconexão de todos com todos é uma evidência para o espírito africano.
A essa comunidade pertencem os mortos como Mandela. Eles não vão ao céu, pois o céu não é um lugar geográfico, mas um modo de ser deste nosso mundo.  Os mortos continuam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.       
O terceiro eixo são os rituais e celebrações. Ficamos admirados que se dedique um dia inteiro de orações por Mandela, com missas e ritos. Eles sentem Deus na pele, nós ocidentais na cabeça. Por isso dançam e mexem todo o corpo, enquanto nós ficamos frios e duros como um cabo de vassoura.
Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebradas com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras. Estas representam as energias que podem ser benéficas ou maléficas. É nos rituais que ambas se equilibram e se festeja a primazia do sentido sobre o absurdo.
Notoriamente, é pelas festas e ritos que a sociedade refaz suas relações e reforça a coesão social. Ademais nem tudo é trabalho e luta. Há a celebração da vida, o resgate das memórias coletivas e a recordação das vitórias sobre ameaças vividas.
Apraz-me trazer o testemunho pessoal de um dos nossos mais brilhantes jornalistas, Washington Novaes:“Há alguns anos, na África do Sul, impressionei-me ao ver que bastava se reunirem três ou quatro negros para começarem a cantar e a dançar, com um largo sorriso. Um dia, perguntei a um jovem motorista de táxi: "Seu povo sofreu e ainda sofre muito. Mas basta se juntarem umas poucas pessoas, e vocês estão dançando, cantando, rindo. De onde vem tanta força?" E ele: "Com o sofrimento, nós aprendemos que a nossa alegria não pode depender de nada fora de nós. Ela tem de ser só nossa, estar dentro de nós". Nossa população afrodescendente nos dá a mesma amostra de alegria que nenhum capitalismo e consumismo pode oferecer.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Bispo de Iguatu proíbe missas de cura nas Igrejas

Religião católica

Documento é divulgado com orientações normativas sobre celebrações dentro e fora das igrejas
Iguatu O bispo da Diocese de Iguatu, dom João Costa, proibiu a celebração de missa de cura e libertação, orações em língua e "repouso" no Espírito Santo, ritos ligados à Renovação Carismática Católica (RCC). A decisão foi anunciada em carta circular enviada aos padres e religiosos. O documento foi lido durante a celebração de missas em 26 paróquias em 19 municípios para conhecimento da comunidade católica.

Rituais de cura, libertação e "repouso" no Espírito Santo são considerados pela Igreja como experiências individuais, sem promoção social e comunitária. Portanto, fogem à tradição das celebrações do catolicismo fotos: honório barbosa

A decisão ocorreu em recente reunião do Colégio de Consultores da Diocese de Iguatu e provocou insatisfação entre os católicos que participavam das missas de cura e libertação. O documento apresenta orientações normativas sobre celebrações dentro e fora da igreja, segundo o que propõe a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Em Iguatu, na região Centro-Sul do Ceará, foram celebradas três missas de cura e libertação, reunindo centenas de católicos na Igreja Matriz de Senhora Sant´Ana. A liturgia era presidida pelo padre Samuel Cavalcante, pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, na vizinha cidade de Jucás.
Havia expectativa de celebração na última terça-feira, dia 19, na Igreja Catedral de São José. A mudança para um templo maior era decorrente do crescimento do número de participantes. Entretanto, foi suspensa em decorrência da proibição.

Assim como em diversas cidades, em Iguatu, a Renovação Carismática reúne um número crescente de adeptos, atraídos pela nova forma de celebração

Prudência
"Sempre tratei com respeito a Renovação Carismática e reconheço o bem que faz à Igreja Católica mas, como bispo, tenho que disciplinar e orientar a linha que convém à Diocese", explicou dom João Costa. "É preciso prudência", defendeu.

O bispo de Iguatu disse que segue orientações da CNBB e do Vaticano que têm documentos com orientações e limites às práticas da RCC. "Quis evitar exageros em celebrações nas igrejas", explicou dom João Costa. "Nos seus encontros, a Renovação Carismática pode fazer suas adorações e práticas".

Segundo a análise do vigário geral da Diocese de Iguatu, padre Afonso Queiroga, o documento assinado pelo bispo dom João Costa, acolhe a Renovação Carismática Católica, mas não aceita exageros e quer preservar a identidade da igreja diocesana de Iguatu. "A nossa caminhada é baseada nas orientações da CNBB, no cristianismo que não pode se distanciar da realidade social", observou.

O padre João Batista Moreira concorda com a decisão de suspender as missas de cura e libertação. "É preciso evitar que se caminhe para o misticismo e fanatismo", disse. "Milagres existem, mas o próprio Jesus fez curas e pediu que não se propagasse", afirmou.

Outro ponto abordado no documento trata do movimento pentecostal na Igreja Católica com o surgimento da Renovação Carismática. O texto expressa que são movimentos que dão ênfase ao subjetivismo e distanciam-se da realidade.

Repercussão
A decisão da Diocese de Iguatu obteve ampla repercussão nas redes sociais e chegou até o Vaticano. Em Iguatu, as opiniões são divididas entre aqueles que são favoráveis e contrários à suspensão das missas de cura e libertação. "Fiquei triste e lamento ao saber da decisão e confesso que não entendi, pois a missa é uma forma de expressar a fé em Deus, no Espírito Santo", disse a atendente de laboratório em Iguatu, Antonia Alves.

O empresário Gilson Alves participava das celebrações do padre Samuel Cavalcante e questionou: "Era algo irregular? Os padres sabiam que essas celebrações não podiam ser feitas?".

Para Alves, a Igreja deveria esclarecer melhor os católicos, conversando com os fiéis durante a liturgia.

A coordenadora da Pastoral da Criança, na Diocese de Iguatu, Alcileide Bezerra, concorda com a decisão da Diocese.

"A missa é para se viver o mistério pascoal de Cristo, numa dimensão social e missionária", defendeu ela.

O padre Samuel Cavalcante disse que celebrou apenas três missas e ficou surpreso com a decisão do bispo.

"Achei que foi precipitada, pois não usava mais o nome de cura e libertação, fiz correções sugeridas pelo bispo, evitando o passeio com o Santíssimo Sacramento e orações em língua", explicou. "Eu acato e respeito a decisão do bispo, procuro entender a sua decisão e estou pronto para servir à Diocese", afirmou o padre Samuel Cavalcante.

De acordo com o sacerdote, nas Dioceses de Crato, Quixadá e na própria Arquidiocese de Fortaleza há missas com orações espontâneas da RCC. "A minha preocupação é com a cura do coração, e não com a cura física", frisou o religioso.

A coordenação da Renovação Carismática Católica preferiu evitar comentários sobre a decisão da Diocese de Iguatu.

A CNBB oferece recomendações disciplinando práticas místicas no contexto da RCC: evitar a prática do "repouso no Espírito" na qual as pessoas parecem desmaiar durante os momentos de oração, mas permanecem conscientes do que ocorre em sua volta; preocupações exageradas com o demônio; orar e falar em línguas.

FIQUE POR DENTROExperiência pessoal com Deus é objetivo
A Renovação Carismática Católica (RCC) é um movimento da Igreja Católica Apostólica Romana surgido nos Estados Unidos em meados da década de 1960. A prática da RCC baseia-se na experiência pessoal com Deus, pela força do Espírito Santo e de seus dons, a fim de que todos tornem-se discípulos de Jesus Cristo. O movimento procura oferecer uma abordagem inovadora às formas tradicionais de doutrinação e renovar práticas tradicionais dos ritos e da mística da Igreja, mas permanecendo fiel a todos os preceitos católicos romanos.

Existem mais de 100 milhões de católicos carismáticos espalhados pelo mundo. No Brasil, a RCC teve origem na cidade de Campinas, SP, expandindo-se a partir da década de 1970.

Segundo à RCC, o "Espírito Santo", que é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, habita dentro de cada ser humano. Nele estaria o desejo da prática do bem e da santificação. É descrito como "conselheiro", "consolador" ou "auxiliador", defensor Paráclito, guiando os homens no "caminho da verdade e da justiça". Há uma ênfase especial na ação do "Espírito Santo".

ENQUETEVocê concorda com a decisão do bispo?
" Não. Fiquei triste ao saber da decisão do bispo e lamento, mas não entendi, pois a missa é uma forma de expressar a fé em Deus. O louvor e adoração ao Espírito Santo são formas aceitas pelo Vaticano"
Antonia Altamira AlvesAtendente

"Sim. O bispo não proibiu a Renovação Carismática Católica de realizar os seus encontros e momentos espirituais, mas a missa como era feita foge da liturgia própria da Igreja, sem preocupação comunitária"
Alcileide BezerraCoordenadora da Pastoral da Criança


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

FOTOS V COLÓQUIO TEOLÓGICO

REGISTRO DE  MOMENTOS  DO V  COLÓQUIO
 Mesa formada por: Carlos Tursi, Roberto Bezerra, dr. Sergio Barros e jornalista Plínio Bortolotti ( O Povo)

 Marcos Passerine, Fatima Alves,Ariosto....muita concentração!!!
 Terezinha, adquirindo mais... e.... mais saberes..... com Cornelius...
                                       

Marta, com Cornelius....sempre na participação.....valeu!!!!
                                       

 Cornelius.... Uma dos brilhos deste V Colóquio...
Mais Cornelius.....
Momentos de descontração
         
                                       
Carminha, Geraldo , Cleide.... participações fundamentais....
( fotos de Cornelius)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MESSIAS PONTES

ImagemAo saber do falecimento de Messias Pontes, meus pensamentos e minhas lembranças voltaram à década de 1970, ao interior do Estado do Pará, Diocese de Cametá, distante mais ou menos 200 km. de Belém, região banhada pelo rio Tocantins. Era a época das Comunidades Eclesiais de Base, assumidas em cheio e com muito empenho pela Igreja de entãoEra o tempo, em que entidades, mesmo com filosofias diversas, trabalhavam juntas, enriquecendo-se mutuamente, ao se empenharem no cuidado do bem estar do povo, e especialmente no crescimento da conscientização das pessoas, a fim de que se entendessem como sujeitos de sua própria história. 
Messias e sua esposa Nilma, impossibilitados de permanecerem em Fortaleza em virtude da sistemática e convincente resistência às arbitrariedades do regime militar, trabalhavam numa entidade, chamada FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. Havia na região do baixo Tocantins, precisamente na cidade de Cametá, um ponto de apoio daquela entidade. Por diversas vezes viajávamos  de barco, Messias, Nilma, eu e colegaspara visitar pequenas comunidades no interior, seja nas ilhas, ou em terra firmepermanecendo juntos do povo em momentos de processos de conscientização, ou para tratarmos de assuntos mais práticos, como a formação de lideranças comunitárias e para promover cursos de agriculturaenfermagem, e outros maisEste trabalho fundamentava-se, fortemente, na defesa dos direitos do povo à promoção humana, à vida digna e, acima de tudo, à valorização da vida comunitária e à consciência sociopolítica de sua cidadania. Eram tempos em que se trabalhava com gosto e imenso prazer, porque se via as pessoas crescerem, tanto na sua autoestima, como reforçando a sua vida em comum. 
Quando, anos depois, já em Fortaleza  fui à “RÁDIO CIDADE AM” para uma entrevista a respeito de Dom Aloísio Lorscheider, o meu entrevistador era justamente Messias. Muitas conversas surgiram, lembrando aqueles bons tempos lá no Pará. 
Hoje lamento Messias ter se despedido de nosso convívio cedo demais, agradecendo a ele por tudo que sonhou e realizou, a fim de que nos conscientizemos acerca da nossa responsabilidade pela construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária, sem resquícios de oligarquias, seja de que tipo ou família for. 
Para Nilma, o filho Carlos e as filhas Silvana e Márcia, nosso abraço de solidariedade neste momento de dor. Sejamos certos de que as sementes, plantadas por Messias, se transformarão em bons e belos frutos. 
Fortaleza, 13-11-2013, 
Geraldo Frencken 
geraldof73@yahoo.com.br 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Tenente-coronel da reserva critica formação em direitos humanos da PM

Este video, foi o recomendado pelo jornalista Plínio Bortolotti, no V Colóquio Teológico,( mas não foi possivel passar, enviamos agora a todas e todos , para que possam assistir em casa com mais calma.)
"TV Folha" conversou com o tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza, autor do livro "O Guardião da Cidade: Reflexões Sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares" (selo Escrituras).
O livro é resultado de sua dissertação de mestrado e analisa o desenvolvimento da educação em direitos humanos no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 

domingo, 10 de novembro de 2013

Ritual indígena pela recuperação da saúde de Dom Tomás

Ritual indígena pela recuperação da saúde de Dom Tomás


(confira abaixo, Carta enviada pelos indígenas de Goiás e Tocantins a Dom Tomás)
Mais de cinquenta pessoas, amigos e amigas, companheiros e companheiras de Dom Tomás, acompanharam na tarde deste sábado, 9, o ritual indígena feito por  índios das etnias Xerente, Krahô e Krahô-Kanela pelo pronto restabelecimento da saúde de Dom Tomás. Pelas 11 horas da manhã ele havia deixado a UTI e fora transferido para o quarto. O ritual se desenvolveu na rua em frente ao Hospital do Coração Anis Rassi, em Goiânia (GO). Desde a janela do quarto Dom Tomás acompanhou tudo.
O ritual contou com cânticos, ao ritmo do som de maracás, falas e aplicação de um pó vegetal, à semelhança de unção. Nas falas, todos ressaltaram a importância de Dom Tomás para a luta dos povos indígenas, não só do Tocantins, mas de todo o Brasil. Isabel Xerente disse que Dom Tomás é o segundo pai. Vagner Krahô-Kanela lembrou o apoio de Dom Tomás na conquista de suas terras. Acentuou que a luta deles é pela vida, e a vida dos povos indígenas não existe sem o território. Foi lembrado também que Dom Tomás acompanhou, há poucos meses, uma delegação indígena do Tocantins em audiência com o Ministro Alexandre Padilha, quando foram reivindicar melhor atendimento de saúde.
Todos afirmaram com força que Dom Tomás é ainda muito necessário para a luta dos povos indígenas, pois a pressão contra seus direitos e seus territórios é muito grande. Por isso Deus vai ajudá-lo a superar esta doença.
Isabel Xerente passou o pó de uma árvore do Cerrado, ao modo de uma unção, em diversas pessoas presentes, amigas de Dom Tomás, já que ele estava no quarto. O ritual tem o sentido de proteger a pessoa, pois segundo eles ao mesmo tempo em que tem muita gente que quer Dom Tomás vivo, muitos fazendeiros gostariam de ver Dom Tomás morto, como a senadora Kátia Abreu.
Depois de terminado o ritual em frente ao Hospital, Isabel e outra indígena subiram ao quarto onde aplicaram também nele o pó.
Dom Tomás acompanhou tudo desde a janela do quarto, acenando para os presentes, e se comunicando através do viva voz de um celular. Ainda deu uma entrevista à TV Anhanguera pelo telefone. No final deu a todos e todas sua benção.
Todos aguardam a hora em que ele receberá alta hospitalar.
Carta à Dom Tomás Balduino
Bispo emérito da cidade de Goiás (GO)
Prezado companheiro;
Após nossos sinceros cumprimentos em nome dos povos Apinajé, Krahô, Krahô Kanela, Xerente, Tapuia, comunicamos que fomos informados de sua internação em UTI de hospital da cidade de Ceres (GO). Também já sabemos que foi transferido e se encontra hospitalizado em Goiânia (GO).
Todas essas notícias nos deixaram profundamente entristecidos e abalados. Diante dessa situação pedimos que nos compreenda e nos desculpe por não poder visitá-lo nesse momento. Porém queremos que saiba de nosso respeito e consideração a sua história e sua luta. E que apesar das distancias geográficas, mesmo assim estamos juntos com você em mais essa batalha em defesa de sua própria Vida.
Os Povos Indígenas do Estado de Tocantins e Goiás somos muito gratos a você. Para nós você é um Mestre, Conselheiro, Profeta, um defensor inalienável e convicto da Causa e da Vida dos povos marginalizados, escravizados e excluídos.
Temos Fé e acreditamos que nosso Deus, também está junto com você nessa batalha pela vida, por que nosso Pai jamais abandonará um varão justo numa hora difícil. E você é um ser humano justo, digno e honrado, que está cumprindo a sua nobre missão; praticando a Justiça e promovendo a Paz.
Dom Tomás veja que bela e exemplar história de resistência você está escrevendo e “imprimindo” junto com os Povos Indígenas e Movimentos Sociais desse País. Um bom pastor, sempre armado com a verdade e munido com sabedoria cristã; às vezes voando em céus de turbulências, às vezes navegando em águas agitadas ou trilhando os caminhos espinhentos dessa América Latina. Você nunca se intimidou e nem se curvou diante da arrogância e da prepotência dos tiranos.
Nessa caminhada você tem nos ajudado a fazer o bom combate; assim junto com outros lutadores você fundou o CIMI e a CPT, trincheiras seguras para denunciar e lutar contra as injustiças sociais, as violências, o preconceito, a escravidão, o latifúndio e a pistolagem, que também são as piores “doenças” que geram a morte. Nessa guerra temos contabilizado muitas vitórias; se lembra de algumas?
Nesse momento de sua Vida você nos dá a maior lição de amor ao próximo. Esse gesto Guerreiro nos fortalece e nos enche de esperança; na certeza que temos que continuar lutando pelas crianças, pelos idosos, pelos empobrecidos e excluídos. A nossa luta por dignidade e Direitos Humanos não tem fronteiras e é contínua. Até breve grande Guerreiro da Paz, nós vamos vencer!!!
Terra Indígena Apinajé, 09 de novembro de 2013.
Antônio Veríssimo da C. Apinajé.
Liderança do povo Apinajé do Estado do Tocantins.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

V COLÓQUIO TEOLÓGICO

03.11.13 09:00
Por: Plínio Bortolotti | Comentários: Comente
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Convidado pelo Movimento Formação Cristã Libertadora (MFCL),  vou falar no 5º Colóquio Teológico  Espiral da violência, inércia da sociedade, do ponto de vista da imprensa.
Apresentação
Meu tema será “O que aconteceu nas últimas décadas para que Fortaleza se tornasse uma das cidades mais  violentas do mundo?” Estará comigo na mesa o advogado Sérgio Barros Onofre, integrante do Emaús Vila Velha Amor e Esperança e facilitador do curso de de lideranças jovens da Pastoral da Juventude. Sérgio abordará o tema “Como fazer frente, de forma inteligente e eficaz, ao contágio geral da violência na sociedade em que vivemos?”
Debate
Atuará como debatedor o professor e teólogo Carlo Tursi e como moderador Roberto Bezerra, do MFCL, entidade promotora do evento.
9 de novembro
O seminário, aberto ao público, será no dia 9 de novembro (sábado), às 8h30min no salão paroquial da matriz de Nossa Senhora das Dores (igreja do Otávio Bonfim, no início da avenida Bezerra de Menezes). Mais informações com Stella Maris, telefones: (85) 8815 1891 / 9728 9704 e-mail: moviformcrisfor@gmail.com.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

As mulheres na Igreja, de Martini ao Papa Francisco


"Hoje, mais do que nunca, as reflexões de Martini estão à nossa disposição, com a força de uma imutada tensão criativa, se quisermos levar a sério as palavras do Papa Francisco quando de retorno do Brasil, e recentemente reformuladas na entrevista a Civiltà Cattolica sobre as mulheres. A repetição do argumento assinala uma atenção que deixa de fato esperar", escreve Nicoletta Dentico em artigo publicado na revista “Rocca” n. 20, 15-10-2013. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
Das mulheres emergem solicitações sofridas e sinceras. Falava, assim, em 1981, o Cardeal Martini à convenção “A mulher na Igreja hoje”, procurando interpretar o mal-estar de um mundo feminino plural diante da iconografia da “mulher cristã”, na qual as mulheres tem dificuldade de serem respeitadas e reconhecidas. E exibia uma série de questões decisivas para o futuro da Igreja:
“Por que identificar a imagem de Deus com aquela que nos foi transmitida por uma cultura machista”? Que anúncio kerigmático para ela, não encerrado numa visão moralista? Que indicações para um caminho espiritual e de santidade que estimulem a mulher adequadamente? Que indicações para uma renovada práxis pastoral, para um caminho vocacional para o matrimônio, para a consagração religiosa, a família, em consideração da nova consciência de si que a mulher adquiriu?
Que indicações para uma linguagem global, também litúrgica, que não faça sentir-se excluída, em sua elaboração, a mulher? Por que tão poucas e inadequadas respostas à valorização do próprio corpo, do amor físico, dos problemas da maternidade responsável? Por que a maior presença da mulher na Igreja não incidiu em suas estruturas: E na práxis pastoral por que atribuir à mulher somente aquelas tarefas que o esquema ideológico e cultural da sociedade lhe atribuía, e por que não explicitar os seus carismas como “obra do Espírito Santo”?
Ler, à distância de trinta anos, o insistente catálogo das interrogações de Martini, com sua solicitação à Igreja de por-se à escuta e deixar as mulheres exprimir-se como protagonistas, de desenvolver uma urgente e atenta releitura dos ministérios, dos carismas e dos serviços, ilumina e desencoraja ao mesmo tempo. Nós mulheres temos sido consideradas por longo tempo as fiadoras da doutrina, aquelas que durante o processo de secularização asseguraram o enraizamento da tradição cristã na infância, nas famílias, na sociedade. Frequentemente o temos feito com o limite de dever encarnar algo transmitido, um limite que é em ampla medida a debitar a uma ordem eclesial que voluntariamente manteve as mulheres fora. Percorremos linguagens na maioria dos casos já codificadas, e ainda não nos sentimos de todo legitimadas a fazer agir, em nosso presente e no de nossas igrejas, aquela força que transforma e arrasta, escandaliza e provoca, tornando possíveis novos horizontes.
Hoje, mais do que nunca, as reflexões de Martini estão à nossa disposição, com a força de uma imutada tensão criativa, se quisermos levar a sério as palavras do Papa Francisco quando de retorno do Brasil, e recentemente reformuladas na entrevista a Civiltà Cattolica sobre as mulheres. A repetição do argumento assinala uma atenção que deixa de fato esperar.
A explosiva parábola do pontificado do Papa Francisco – os audazes apelos à paz contra todo vulgar interesse guerreiro, a exigente pastoral missionária que evita a “imensidão de doutrinas a impor com insistência”, o desejo de uma justiça reconhecível na redistribuição das riquezas (sugestiva a imagem da “teologia do descarte” cunhada por Raniero La Valle), a postura de proximidade física aos últimos, estejam eles nos cárceres, em Lampedusa ou entre os desempregados da Sardenha, a partir das mesmas formas de uma nova pobreza da Igreja – arrasta consigo uma onda de entusiasmo incrédulo e contagioso. A inusitada simbologia dos gestos e as mensagens do centro ultra-milenar de Roma provêm realmente “da outra parte do mundo”, como uma brisa que refresca o ar e abre indispensáveis horizontes.
Num mundo desfigurado pela desigualdade e pela idolatria do lucro, numa Igreja sobrecarregada de contradições e décadas de clericalismo, só Deus sabe quão benéfica seja esta rajada de vento novo: uma teologia sobre as mulheres e para as mulheres.

Na esteira da espera de novidades futuras, a questão feminina espera em sua andança o bispo de Roma como um desfiladeiro iniludível, sabe-o muito bem Francisco. “A Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher e sua função”, disse ele a Civiltà Cattolica, quase a querer indicar uma das razões da crise atual. Também sabe que se trata de um terreno acidentado: a valorização do significado evangélico da diferença de gênero na vida eclesial não é fácil de ser cumprida. O machismo do ambiente obscurece a visibilidade e a importância da presença das mulheres numa linha de proporcional continuidade com o passado do Novo Testamento (“como testemunhas da Ressurreição são recordados somente homens, os Apóstolos, mas não as mulheres”). Entrementes, as mulheres tem transformado radicalmente a sociedade com sua subjetividade, resgatando-se de uma atávica escravidão ligada à maternidade e à família.
“Com o feminismo, escreve Luísa Muraro, “veio à luz um desnível entre o sentido de si e a identidade humana representada pelo homem, desnível que não pode mais ser aceito porque a política das mulheres, em qualquer parte do mundo, obteve o lugar da liberdade feminina”. Este desnível germinou longamente também nas igrejas – a “Frauenfrage” [questão das mulheres], as novas questões da fé que vinham das mulheres, começou a tomar forma entre os fins do século XIX e inícios do século XX – e por fim ficou a descoberto.
Graças ao Concílio Vaticano II, a práxis teológica ainda ferreamente aficionada aos estereótipos, deve hoje fazer as contas com a presença, no palco, de uma vivaz comunidade de estudiosas, protagonistas de intensas e ricas reflexões endereçadas à elaboração de uma teologia sobre as mulheres e para as mulheres. Essas inspiraram um notável repensamento dos âmbitos disciplinares, contextualizando traduções, símbolos, imagens, linguagens.
A Igreja esposa e mãe
“Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria. O papel da mulher na Igreja não é somente a maternidade, a mamãe de família, mas é mais forte: é precisamente o ícone da Virgem, de Nossa Senhora [Madonna]; aquela que ajuda a Igreja a crescer! Mas, pensai que a ‘Madonna’ é mais importante que os Apóstolos! E muito mais importante! A Igreja é feminina: é Igreja, é esposa, é mãe”. Na contínua tensão entre autoridade e criatividade, entre identidade e mudança, as frases de Francisco, ao retornar da Jornada Mundial da Juventude, deixam entender uma sincera tensão para novas vias de reconhecimento da ação das mulheres, e esta é uma boa notícia, uma boa nova.
Mas, gostaria de entender de que mulheres estamos falando, a cinquenta anos do Concílio. As palavras do Papaconfiguram, ainda uma vez, a mulher como uma categoria antropológica em si mesma, inserida na função “natural” que lhe fixa deterministicamente papéis e identidades: os de ser custódia de uma humanidade a acudir e a salvar. A modelização da mulher sobre a figura de Maria Vigem, tão cara a Francisco (e retomada na entrevista a Civiltá Cattolica), talvez seja inevitável após décadas de “uma mariologia que não procede da Revelação, mas tem o apoio dos textos pontifícios” – para dizê-lo com o cardeal Congar. É lastimável que esta interpretação não produza sentido de identificação entre as mulheres e, menos ainda, as assegure quanto ao respeito da parte de padres e bispos do fermento teológico e pastoral da qual estes, hoje, são capazes dentre da Igreja.
Com bem outro horizonte João XXIII, na Pacem in Terris (1963) se referia à mulher como “sinal dos tempos”, presença histórica no novo cenário mundial que fazia seu ingresso na vida pública, “com uma influência, uma irradiação, um poder até agora jamais atingido”, e uma consciência sempre mais clara e operante de sua dignidade. Aquela consciência de si, embora sob constante assédio, é um dado sociológico já consolidado pela experiência de gerações, e não se pode não ter dele conta na crise do modelo antropocêntrico.
A ênfase sobre a maior importância de Maria em relação aos apóstolos – mulher que gerou Jesus, Miriam/Maria desenvolveu uma tarefa obviamente não declinável ao macho – e a declarada preeminência do gênero feminino (“A mulher, na Igreja, é mais importante do que os bispos e os padres”) sempre mais se afadigam a coexistir com a iteração do “não” categórico ao sacerdócio feminino: “uma porta fechada”. Tem razão Marinella Perroni quando faz notar que não se pode cair na armadilha de considerar e fazer considerar o sacerdócio feminino como a única questão relevante para a pesquisa teológica das mulheres. No entanto, a recusa autoritária de toda perspectiva de diálogo sobre a conferição da ordem sagrada às mulheres – a décadas de distância da comissão de estudo querida por Paulo VI – permanece um incompreensível enigma.
A ideia de nomear uma mulher cardeal – voltou-se a falar disso nos últimos dias como de uma via possível para incidir sobre a fidedignidade das mulheres na Igreja sem arranhar o espinhoso ‘diktat’ sobre o sacerdócio feminino – pode ter um valor simbólico, mas parece ser uma hipótese insuficiente se o intento último é aquele de sacudir o desinteresse e a suspeita que grande número do clero nutre perante as mulheres. A superação da exclusão das mulheres no exercício da autoridade na Igreja requer outra estrada mestra, feita de bem outras abordagens estruturais e de novas capacidades dialógicas.